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segunda-feira, 13 de junho de 2011

POR AMOR A ANTÔNIO (e a outras gentes também)

Minha avó Benita morou no bairro Santo Antônio, além do Carmo. Bairro que ainda hoje acho lindíssimo e tenho uma vontade nostálgica de morar. Foi lá que ela conheceu meu avô Umbelino e sempre que passo por aquela pracinha fico inventando que foi lá também que eles enlaçaram suas mãos, passearam e deram o primeiro beijo. Certamente numa quermesse de Santo Antônio. É óbvio que ninguém me contou estas memórias adocicadas, mas as memórias imaginadas são minhas e eu dou a elas o sabor e cor que eu bem entender.

Meus avós (isso é fato acontecido mesmo) se casaram na Igreja de Santo Antônio da Barra. Coisa que muito me intriga, porque se eles moravam no bairro cuja igreja era dedicada ao insigne português, porque atravessaram Nazaré, Avenida Joana Angélica, Avenida Sete, Corredor da Vitória e desceram a Ladeira da Barra para casar??? Talvez (e isso é elucubração da minha mente inquieta) porque eles já tivessem se adiantado um pouquinho e comido o mel que envolve a lua.

A partir de então, a ligação de minha avó com Santo Antônio foi eterna, amorosa e de grande longevidade. Sempre ouvi dizer que minha avó Benita e sua irmã, minha tia-avó, Estelita eram devotas do Glorioso Taumaturgo e onde quer que estivessem sempre se aproximavam por força da fé de sua devoção. Minha tia avó Estelita, mulher de história de coragem, ousadia e tristeza, por exemplo, morou em Belo Horizonte num bairro cujo nome só podia ser Santo Antônio, é claro!!!

Daí, não foi difícil que a filha de Benita, Lúcia Sacramento, por ser uma pessoa de intensa graça e fé, continuasse a devoção ao santo casamenteiro. É óbvio que esta mulher (única pessoa cujo sobrenome é Sacramento de tez branca e cabelo loiro) incluía em suas trezenas toda sua alegria, capacidade de juntar gente e de fazer festa. Minha mãe, sua irmã, conta que minha tia Lúcia na época da trezena fazia competição de altares com suas amigas. Esmeravam-se para fazer o altar mais bonito e mais cheios de flores de papel crepom. No final, a junção de velas e papel sempre gerava um pequeno incêndio...

O tempo passou, minha avó se foi, minha tia Lúcia começou a rezar silenciosamente, mas sem jamais deixar de fazê-lo. Sobre minha tia Lúcia, ainda ressoa em meus ouvidos, a voz de meu avô, dizendo que eu, neguinha de cabelo duro, era muito parecida com minha loura tia, simplesmente porque sempre eu e ela fôramos inquietas, gaiatas e sapecas. Entretanto, quando ouço as artimanhas de meu avô e de minha tia Lúcia, sinto que nunca fiz um décimo do que eles fizeram, porque jamais tive a ousadia de sapecar na vida como eles sapecaram...O que importa é que nesse amor ensinado e aprendido por ela, foi que praticamente morei em sua casa (para estudar e também para puder ir e voltar de festas bem de madrugada). E nessa situação de inquilinato foi que na conversa e no olhar, aprendi estas histórias. Aprendi que ela rezava para o Santo Antônio. Aprendi que ela tem uma fé intensa e diz a boca pequena que ela tem uma ligação direta com o povo lá de cima, faz promessa pelos outros e, geralmente, é atendida. E então mais uma ponte se fez, porque eu não aprendi isso sozinha, aprendi acompanhada de Isaura, minha irmã e de Maria Alaíde, minha prima – filha de Lúcia. E foi daí que, no final da década de 90 (do século passado), pedimos para fazermos a trezena de Santo Antônio juntas e assim termos mais um aprendizado: conhecer a vida e a fé por um santo que merece todos os louvores que lhes são oferecidos. Muitos laços se fizeram. Sou comadre de Maria que é comadre de Isaura que é minha madrinha e comadre ao mesmo tempo. 

Para incrementar minha relação com o santo do mundo inteiro, meu avô paterno chamava-se Antônio. Quiseram-me muito um menino e caso assim viesse ao mundo, meu nome seria Antônio Egídio. Mas isso não aconteceu. Quer dizer, na verdade, aconteceu. Eu vim menina e me nomearam Luciana, para, segundo minha mãe, homenagear, a minha tia Lúcia. Ou seja, deu no mesmo: SANTO ANTÔNIO NA CABEÇA!!!

Rezo do primeiro dia de junho ao décimo terceiro em intenção ao Santo do Mundo Inteiro. E faço isso com o coração quente, repleta de uma enorme felicidade, tentando propagar a fé e devoção pelo Nosso Amável Padroeiro. A cada ano tenho aprendido um pouco mais sobre a vida deste menino português que se dedicou a fé intensamente e se sentiu vocacionado para a vida religiosa. Foi cônego agostiniano, depois se encantou com a ordem do pobrezinho de Assis, S. Francisco, e seguiu sua vida pregando a humildade, simplicidade e pobreza. Soube como ninguém entender aos desígnios de Deus. Foi à luta como soldado bravo e forte, mas a doença o barrou e soube fazer algo que é tão difícil para mim: resignar-se diante do inevitável. Apesar disso, jamais se deixou abater.

Curou-se das doenças do corpo, retornou a ordem com imensa humildade e apesar de seu vasto saber e instrução, não se furtou a lavar pratos e realizar serviços domésticos. Para mim, eis uma das mais belas lições do íntimo amigo do menino Deus, considerado pelo seu grande conhecimento religioso, como Doutor da Santa Igreja. O que me leva a pensar na minha realidade de professora universitária em pleno processo de doutoramento: será que eu ou algum de meus colegas doutores chegaríamos num lugar estranho e omitiríamos nosso vasto currículo? Será que não gritaríamos aos quatro ventos para dizer nossos inúmeros títulos? Não desembolarámos o vasto papiro de nossos Lattes??? Quais de nós diríamos apenas: “Sou Antônio, vim para servir onde quer que seja”??? Quais de nós pegaríamos a vassoura estendida pelo superior do convento e varreria o chão, sem vociferar competência, conhecimentos e especialidades??? Quais de nós??? Mas foi isso que Santo Antônio fez: não deu muito ousadia para o conhecimento do intelecto, privilegiou ao sentimento da alma e foi o homem que imitou os apóstolos, propagou a fé, batalhou contra toda sorte de falsidade, auxiliou os aflitos (assim diz sua ladainha).

E é pela história da minha família, especialmente de suas mulheres fortes, e sobretudo pela vida vivida pelo homem Antônio que me orgulho quando chega o dia treze de junho de cada ano. Me orgulho pela minha origem, pela minha devoção e por tudo que aprendi pela imbricamento dos saberes do meu povo com os saberes do meu santo. E faço coro com um Veloso ai, cantando em voz alta (apesar de desafinada): “o que seria de mim, meu Deus, sem a fé em Antônio?”.