Sol na rua tinindo
"A alma povoada de
sonhos", eu tenho...
6:46 Estação aeroporto
CHEIA
Três meninas pretas
Entram leves, lindas
Eu penso feliz
Que pra elas vai ser mais
fácil
Cabelos já livres, roupas
escolares
Trocando canetas, lápis
Marcadores coloridos em tons
pastéis
Elas riem, como se riem
Numa intensidade...
Os olhos cheios de uma
saúde
Que muitas de nós sequer
Conhecemos
Estão caminho de um saber
E ensinam que os tempos são
outros
Em minha prece-oração
Rezo, agradeço por elas.
06:53 Estação Mussurunga
UM MAR DE GENTE INVADE
O mundo todo cabe num trem?
Apesar do tumbeiro
Um homem preto fardado bonito
conduz um velho preto frágil
Orienta que a multidão o acolha
e ordena com seu traje cinza que alguém o coloque num bom lugar
Não há bons lugares no
camburão...
06:59 Bairro da Paz
MAIS GENTE ENTRA
Outro rapaz preto, de cinza
ordena, com menos delicadezas:
"Um bom lugar,
O reservado
No camburão"
O menino preto é cego
Usa muletas
E se insurge
Agarrado nas barras de pole
dance, ele brada:
" Aqui dentro, não há bom
lugar"
E continua desdenhoso:
"Qd tá vazio ninguém
cede... N
esse cheio de gente, querem me
por no meu lugar...
Como eu chego lá?
Diz aí, seu moço
Não estudou física?
Dois, três, milhares de corpos
Não ocupam o mesmo lugar no
espaço"
Tb estou na barra de pole
dance.
Do outro lado, as mãos dele
tocam as minhas...
No corpo negro do menino cego,
uma camisa me devolve a poesia que deixei numa estação anterior...
Agora menos lírica
Mais Engajada
Na blusa dele, tá escrito
DIREITO UNEB
07:02 Imbui
MAIS GENTE
GENTE PRESA NA PORTA
DE TANTA GENTE
A menina branca maquiada de olho
claro
Exige que abram alas para sua
distinção passar
Os olhos pretos a escarnecem
De nada adianta, mulher!
Tu tá no navio
Ele é negro, negreiro, negrista
Feito para conformar os corpos
É uma aula de como viver fora
dali
A lição é condense-se,
conforme-se
Vc entrou na lata.
Talvez, num antes,
fosse livre e grande
Aqui eles acomodam a gente
Encaixam
Encaixotam
E vc sai como queremos
Dócil, silenciosa, triste
Tu pensa q a sardinha
Era daquele jeito
Antes da lata?
07:11 RODOVIÁRIA
EU DESÇO, MENOS GENTE...
MENOS UMA GENTE NO VAGÃO LOTADO
Quem desce
Desce agressivo, inconformado
Para mim, a poesia acabou...
Quando a gente vai sair desse
navio, minha mãe?
Olho pra trás, num relance,
As meninas da primeira estação,
no mesmo tom
Será a juventude que não as
deixa esmorecer?
Em silêncio,
Eu rezo
Que pelo menos para elas
A poesia permaneça.