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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

RODO COTIDIANO

 Sol na rua tinindo

"A alma povoada de sonhos", eu tenho...

 

6:46 Estação aeroporto

CHEIA

Três meninas pretas

Entram leves, lindas

Eu penso feliz

Que pra elas vai ser mais fácil 

Cabelos já livres, roupas escolares

Trocando canetas, lápis

Marcadores coloridos em tons pastéis 

Elas riem, como se riem

Numa intensidade...

Os olhos cheios de uma saúde 

Que muitas de nós sequer

Conhecemos

Estão caminho de um saber

E ensinam que os tempos são outros

Em minha prece-oração

Rezo, agradeço por elas.

 

06:53 Estação Mussurunga

UM MAR DE GENTE INVADE

O mundo todo cabe num trem?

Apesar do tumbeiro

Um homem preto fardado bonito conduz um velho preto frágil 

Orienta que a multidão o acolha e ordena com seu traje cinza que alguém o coloque num bom lugar

Não há bons lugares no camburão...

 

06:59 Bairro da Paz

MAIS GENTE ENTRA

Outro rapaz preto, de cinza ordena, com menos delicadezas:

"Um bom lugar,

O reservado

No camburão"

O menino preto é cego

Usa muletas

E se insurge

Agarrado nas barras de pole dance, ele brada:

" Aqui dentro, não há bom lugar"

E continua desdenhoso:

"Qd tá vazio ninguém cede... N

esse cheio de gente, querem me por no meu lugar...

Como eu chego lá? 

Diz aí, seu moço 

Não estudou física?

Dois, três, milhares de corpos

Não ocupam o mesmo lugar no espaço"

Tb estou na barra de pole dance. 

Do outro lado, as mãos dele tocam as minhas...

No corpo negro do menino cego, uma camisa me devolve a poesia que deixei numa estação anterior...

Agora menos lírica

Mais Engajada

Na blusa dele, tá escrito 

DIREITO UNEB

 

07:02 Imbui

MAIS GENTE

GENTE PRESA NA PORTA

DE TANTA GENTE

A menina branca maquiada de olho claro

Exige que abram alas para sua distinção passar

Os olhos pretos a escarnecem

De nada adianta, mulher!

Tu tá no navio

Ele é negro, negreiro, negrista

Feito para conformar os corpos

É uma aula de como viver fora dali

A lição é condense-se, conforme-se

Vc entrou na lata.

Talvez, num antes, 

fosse livre e grande

Aqui eles acomodam a gente

Encaixam

Encaixotam

E vc sai como queremos 

Dócil, silenciosa, triste

Tu pensa q a sardinha

Era daquele jeito

Antes da lata?

 

 

07:11 RODOVIÁRIA 

EU DESÇO, MENOS GENTE...

MENOS UMA GENTE NO VAGÃO LOTADO

Quem desce

Desce agressivo, inconformado

Para mim, a poesia acabou...

Quando a gente vai sair desse navio, minha mãe?

 

Olho pra trás, num relance,

As meninas da primeira estação, no mesmo tom

Será a juventude que não as deixa esmorecer?

Em silêncio, 

Eu rezo

Que pelo menos para elas

A poesia permaneça.