Postagens populares

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

AS MALUQUICES NOSSAS DE CADA DIA: FORA DE LUGAR

AS MALUQUICES NOSSAS DE CADA DIA: FORA DE LUGAR: Fico pensando em quanto, desde muito tempo, sinto-me fora de lugar. Deslocada de tudo. Sou tachada de chata, perguntadeira, questiona...

TOMARA QUE O MUNDO ACABE EM 2013



Foi tão boa essa idéia de que o mundo iria acabar em 2012. Instaurou uma dúvida em todo mundo, além da vontade, mesmo que inconsciente, de pagar contas consigo mesmo, de realizar aquilo que já não mais poderia ser deixado para depois. Mas o mundo não acabou e estamos aqui de novo com o péssimo sentimento de eternidade. Pois se para o poeta, a modernidade assustava, para mim o que assusta é justamente a perenidade que nos deixa tão seguros e nos faz ignorar que na vida cada ano-dia comemorado não é de vida, mas de morte. É sempre menos um. Nunca mais um!
Então, o que mais sinceramente eu proponho é que a gente acredite que o fim do mundo se aproxima. A gente devia até divulgar isso. Sei lá. Inventemos... Divulguemos que no calendário de algum povo do continente africano, há a informação de que de 2013 não passaremos. Os cientistas da NASA poderiam confirmar a informação a partir de comprovações científicas. Todos ficaríamos assustados no começo, entretanto, sorrateiramente começaríamos a sentir a urgência de viver as banalidades do cotidiano.
Desta forma, nesse ano que se inaugura a gente passaria a tratar cada dia como se fosse o último, porque na verdade é. O dia vivido, quando se acaba não volta mais nem se apaga! Ele deixa de existir, vira rastro na memória e nos lega a incerteza do amanhã. A gente só sabe do passado justamente quando ele se findou. É no presente que olhamos para trás, que nos conscientizamos daquilo que experienciamos.
Certos do fim, iríamos nos preocupar menos com as contas a pagar, com as formações acadêmicas, com os prazos a cumprir. Faríamos menos coisas urgentes e mais coisas ordinárias. Usaríamos cores mais fortes para pintar as unhas e para quem não pinta unhas, inventaríamos um outro prazer bobo. Ou como diria Gil: uma outra alegria de quintal.
A gente se encantaria mais com os pequenos prazeres do que com os enormes sonhos inatingíveis. Não que eu ache que a gente não deva ter sonhos impossíveis. Não que eu ache que a gente não deva gastar suor com metas grandiosas. Eu acho que a gente tem direito a tudo isso. Mas penso que investir cegamente e unilateralmente em comprar um iate ou poupar o primeiro milhão, nos leva a perder os diários amanheceres, os comuns ‘bom dia’ dos amores de nossas vidas, as risadas do fim de tarde, o sabor da fruta madura da estação.
Com a iminência do fim do mundo, perderíamos menos tempo apontando, controlando ou opinando sobre a vida alheia. E assim, passaríamos a respeitar mais os desejos conscientes do outro e, principalmente, faríamos absolutamente nada para agradar ou dar justificativas ou provar algo. Então, apesar da presença inevitável do medo em nossas vidas, não nos faltaria coragem para enfrentá-lo. Não nos permitiríamos mais dizer o não com feição de sim nem o sim com jeito de não.
Dada a proximidade do fim, a vida do outro não caberia no nosso rol de preocupações. A gente iria buscar formas mais genuínas de felicidade. Desejaríamos querer mais voltar à praia que íamos infância de mãos dadas como nossos pequenos do que poupar para presenteá-los com o X-Box da vez! Nem haveria razões para poupar dinheiro, tempo ou sentimentos.
O fim nos obrigaria a viver o agora e a lidar com toda sorte de emoção que emane de nós. No fundo, não creio na possibilidade do mundo acabar. Mas a idéia me parece boa. Crer no fim para não esperar a boa hora de se lançar ao mar. Crer no fim para se jogar na vida intensamente. Crer no fim para valorizar cada começo como se fosse o último! Parece uma boa pedida. Então aos viajantes corajosos e afeitos às maluquices da vida, eis o meu desejo: brindemos a 2013 como o ano do fim!

sábado, 29 de dezembro de 2012

FORA DE LUGAR


Fico pensando em quanto, desde muito tempo, sinto-me fora de lugar. Deslocada de tudo. Sou tachada de chata, perguntadeira, questionadora e, mais modernamente, problemática. Só porque, por alguma razão desconhecida até mesmo por mim, vou sempre pelo caminho contrário. A maré em que me afundo é sempre a que vai contra a corrente.
Meu pai, coitado, foi certamente a minha primeira vítima. Esperava que eu viesse um garoto para homenagear seu pai e fazer seu sobrenome ser levado a, pelo menos, mais uma geração. Mas lá vim eu, com um vazio entre as pernas (e pior dentro da alma). Certamente essa uma das maiores frustrações da vida dele. E não parou por aí. Havia outras que o acompanhariam por toda a existência: minhas escolhas todas (desde as amorosas até as religiosas) iriam seguir para sempre justamente as trajetórias inversas àquelas defendidas por meu pai. Tudo isso muito duro e difícil para nós dois! Mas um fato inegável. Um tentando inconscientemente ferir o outro por aquilo que não veio...
Já na escola, ingressei com um ano e meio, porque minha mãe já era da geração que trabalhava intensamente, mas ainda levava o peso da culpa por não ser a mãe que minha bisavó fora (até porque esse negócio de mulher trabalhar em minha família já não é novidade desde a minha avó materna). Aí, para adentrar os portões escolares era o caos porque eu fazia a maior confusão, chorava, corria atrás do carro materno. Minha mãe conta que as professoras foram investigar a razão da balburdia e tiveram de mudar toda sua metodologia. O motivo era um só: eu, ao chegar à escola, queria contar tudo o que meu avô havia proporcionado de aventura para mim no fim de semana e a escola não me dava espaço. Por isso, botava a boca no mundo, desde muito cedo a reivindicar direitos que nem sei se me cabiam. Minha mãe conta isso toda orgulhosa, dizendo que a escola passou toda segunda-feira a começar sua rotina com uma rodinha de conversa em que as crianças falavam.
Sei lá se é verdade verdadeira. Mas o fato é que a inconformação está dentro de mim desde sempre e também bem cedo aprendi - chorando, gritando ou falando - a expressar essa inquietação e dúvida que tenho diante das coisas que vejo. Eu não me orgulho disso. Primeiro porque incomoda muita gente, segundo, porque fatalmente essa muita gente faz um esforço danado para me fazer ver as coisas como elas acham que deveria ser. Parece inevitável. Acontece sempre. Vou a um filme com amigos e todos gostam. Menos eu!
Tenho alguns apelidos em minha família (uns publicáveis e outros não) para definir meu lugar como a famosa do contra. Na minha casa, me consideram xiita em relação às questões étnicas e de classe. Acham que sou radical, tenho preconceito às avessas; gosto do que consideram as minorias, as defendo ferrenhamente e marginalizo tudo que é designado por eles como centro. Já em outros espaços me consideram burguesa, condescendente, conciliadora. Exigem de mim uma tomada mais radical de posição. E lá vou eu, me sentindo ao longo da minha vida no nem lá nem no cá.
E exemplos abundam em minhas vivências. Sempre gostei de dançar. Na minha infância, por total falta de opção, fiz ballet por alguns anos. Assim, apesar de sempre gordinha e grandona, era a bailarina da casa.   Nas aulas, a professora reclamava. Dizia que eu não era nem delicada nem leve. Coisa que considero óbvia hoje em dia. O que me forçava a me encaixar num modelo do qual eu não pertencia. Era como colocar uma bola numa forma quadrada. Óbvio que não deu certo... O tempo passou, eu cresci, passei a questionar os paradigmas e lá veio a dança afro entrar na minha vida. Me encontrei completamente. Sou defensora apaixonada desta modalidade ainda tão marginal da dança, entretanto, meu primeiro professor dizia: “Querida, dança afro tem que ter força e você é muito leve e delicada. Precisa colocar menos suavidade nestes movimentos”. E eu só respirava e ouvia, até porque nunca consegui compreender como uma pessoa pode, ao mesmo tempo, abarcar agressividade e leveza juntas num só corpo e num só espírito. Porém era desse ‘avesso do avesso’ que me acusavam.
 Se o assunto é religião, então, a coisa se complica e muito. De uma família carola católica, desde sempre, na minha adolescência ia à missa todos os sábados. E prestava atenção, tentava entender, mas ficava super mal porque toda informação gerava uma pergunta, uma dúvida, uma inquietação dentro de mim. Aí, comecei a observar outras religiões e cheguei a conclusão nenhuma. Aliás, só optei por duas certezas: minha total indisponibilidade de me dedicar a qualquer religião e a minha opção por crer em Jesus Cristo. Nem uma vírgula a mais nem a menos. Apesar do total paradoxo desta postura.
Hoje, uma balzaquiana, prestes a deixar de sê-la, lá sigo eu muito culpada por identificar em mim esse comportamento pra lá de adolescente da insatisfação e da má vontade em aceitar os caminhos indicado por outros. Parece que a pirraça irrestrita é um comportamento colado em mim. Sinto me culpada por já ‘burra velha’ ainda discordar de tantas coisas, ainda questionar os mais velhos. Sinto-me uma criança tardia que ainda sofre com mágoas tão passadas, tão infantis. Anos de terapia devem ter servido para curar pouco. E a vergonha aumenta quando me tranco para chorar de uma dor ínfima que nem é a dor da mulher Frida traspassada por um bastão de ferro esterelizador, nem é a dor de uma Cecília, amiga irmã da morte tão prematuramente.
E eu nunca sei (e nem sei se um dia saberei) por onde irei. A probabilidade mais acentuada, entretanto, é que eu continue a seguir por onde sempre segui. Insatisfeita, reclamando, duvidando de todos os caminhos, e ouvindo as insistentes buzinas e os gritos enraivecidos dos demais, sinalizando: “está na contramão, está na contramão”.