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domingo, 27 de outubro de 2013

JUIZ DE PAZ E BEM!


Me dizem idealista. Quem sou eu? Não sou tanto. Sou menos, bem menos. Só acredito num mundo mais humano, mais feliz, mais democrático, mais igualitário. Aff, mais tanta coisa. Isso nunca foi idealismo. Isso é, segundo Clarice, algo que ainda não nomearam. Pois bem, além disso, tenho uma danada de uma esperança que me segue, se gruda em mim, toda faceira e me faz gostar de horizontes, céus azuis, ventos quentes na cara.
Mas minhas famílias são bem isso. Ambas cheias de humor para lidar com as intempéries da vida. E, não querendo ser bairrista (mas já sendo), acho que ser nordestina ajuda muito nesta forma leve de ver a vida. Nestas minhas andanças por outras terras, noto que nós, ao lidarmos com o vôo que atrasa, com o salto que quebra, com a crítica inesperada, não berramos irritados, com tudo e com todos. Tendemos a nos ‘retar’, rindo. Geralmente, ficamos zangados, reclamamos, usando do sarcasmo, da picardia, da ironia, do bom humor. Sei lá. Confundem-nos com alienados, passivos. Mas é nada disso. É só nossa forma de agir no mundo que se sustenta na nossa crença de que a vida, apesar de tudo, é boa...
 Pois bem, hoje eu me enchi de vaticínios de um mundo mais bonito. Na verdade, nem começou assim. Eu estava assistindo Paula Lavigne (espero que ela não me processe) no Programa Saia Justa, em um debate acirrado sobre a autorização de biografias no país. Em um dado momento, a ex de Caetano Velloso, reclamando direito a privacidade, expõe a vida amorosa da jornalista Barbara Gancia. Ou melhor, age da mesma forma que ela não quer que ajam com ela. E isto não me encheu de esperanças. Pelo contrário, me deixou bem triste e descrente. Me fez coçar a cabeça, torcer o bico e, por menos de um minuto, pensar que o revide é prática mais corriqueira do que a escuta. Me fez pensar que quem se coloca como vítima não tem o menor pudor de escrachar com o outro (seja ele o algo que vitimiza ou uma outra vítima também). Me fez compreender que muita gente para defender sua bandeira detona com a dos outros. É o evangélico acabando com a vida do gay que detona todo católico que discrimina o candomblecista que pune a mãe de família que ofende a prostituta que agride o homem que marginaliza o pobre... Ahhhh... Esta lista não tem fim.
Mas Deus é tão bom. Só me deu pouco tempo para a tristeza, porque aí, ao terminar o programa da GNT, fui acessar meus e-mails e me deparei com uma mensagem de meu pai. Ele não dispensa apresentações. Até porque adora ser o centro das atenções. Meu pai é cristão (desde pequenininho), mais do que isso, católico, educado numa família super carola. Hoje é cheio de cargos e postos na Igreja. Nunca ganhou um centavo. Pelo contrário, só gastou! Eu acho até que ele é padre. Porque para mim (e para a maioria das pessoas), padre é quem faz celebrações em Igrejas, é quem ministra a hóstia na Eucaristia, é quem faz sermão. E ele faz tudo isso. Celebrou até meu casamento (que não foi nem católico nem em Igreja).
É óbvio que aos 71 anos, ele crê nos dogmas da Igreja Católica, respeita-os, segue-os. Já discutimos tanto por isso. Mas, que a Santa Sé nunca descubra, ele e minha mãe são religiosos bem ‘moderninhos’. Representam para mim o que há de mais humano no Cristianismo. Apresentaram-me um Cristo, do qual eu não desgrudo, mesmo não sendo mais católica. Porque me educaram mostrando o Jesus solidário que não atira a pedra na prostituta; o Jesus ousado que açoita os vendilhões do templo, o Jesus que não é hipócrita e ceia na casa de Zaquel, o Jesus poético que deixa a pecadora ungir seus pés e secá-lo com seus cabelos.
Além disso, meu pai é empresário, candidato a escritor e, atualmente, se orgulha por ser o Juiz de Paz da cidade onde moro. Vale ressaltar que esta é também uma das suas muitas tarefas não remuneradas. Ele gosta muito do título, porque como afirmei, ele é meio amostrado (e eu nem posso falar de gente assim), mas, acima disso, ele vê a função como uma responsabilidade social. Bem, logo que ingressou neste cargo, a união estável entre casais do mesmo sexo foi permitida no Brasil e ele foi imediatamente informado de que caso houvesse tal situação no cartório, ele não poderia se negar a fazer o casamento, por motivos óbvios.
E isso sempre foi uma preocupação para ele. Como confrontar os ensinamentos religiosos aos direitos civis? Como uni-los? Ele se justificava. Dizia que não via mal nenhum neste tipo de relacionamento. Dizia que a lei é legítima. Afirmava ser este um direito inegável. Mas, por outro lado, pedia compreensão. Dizia-se um homem velho, criado em outros tempos. Temia ficar tenso ou evidenciar desconforto com o casal no momento da cerimônia.
Eu, de cá, que não tenho mais mãos para carregar tantas bandeiras, conversava com ele. Compreendia suas tensões, até porque creio como o Martin Luther King que a gente não nasce com preconceitos, eles são ensinados por muitas agências sociais. E isso não vale só para Católicos (vales para Espíritas, Candomblecistas, Evangélicos, Ateus e Agnóstcos). Mas eu brincava, dizendo que estava rezando para ele realizar logo um casamento gay. Eu me disponibilizava para auxiliá-lo neste momento.  Ele sorria amarelo. E hoje, ele feliz da vida, me noticiou por e-mail que o momento chegou e da forma mais bela. Mandou o e-mail com os seguintes dizeres: “Minha filha, o Juiz de paz casou na última sexta-feira duas médicas veterinárias que já conviviam há trinta anos. Não foi fácil para este velho arcaico, mas, graças a Deus me portei com a maior espontaneidade e sinceridade possível. Uma com 67 anos e outra com 56”.
 Na minha leitura, ele estava dizendo que, de certa forma, celebrou uma união sólida entre duas mulheres. O velho arcaico não parou no tempo, nem deixou se impregnar pelos preconceitos que alguns homens e mulheres da Igreja Católica (ou de qualquer outra igreja) permitem disseminar. Ele fez o que tinha de ser feito de forma verdadeira, aceitando suas limitações, mas acima de tudo respeitando o direito inalienável do outro ser humano de ser feliz, realizando as escolhas que indicam o ser que ele ou ela é.
E foi isso que, sim, me encheu de alegrias e esperanças. Não sei o que os gays, os católicos, os cristão vão pensar do que digo. Sinceramente, me importo pouco. Celebro, sim, o fato. Comemoro o orgulho de meu pai por si mesmo, porque ele não cedeu ao preconceito e a discriminação a que os homens de sua geração e religião foram ensinados. Ele seguiu a sua consciência. Meu pai foi uma anti-Paula Lavigne. Respeitou a sua condição humana, de fragilidade (todos guardamos em nós algum preconceito), mas fez o que era certo, principalmente, ao meu ver, o que era bom. Ele fez o que de mais belo alguém pode fazer: garantiu o direito do outro como se fosse o dele mesmo. Por isso me orgulho deste pai arcaico, porque para mim ele fez o que eu acho que Jesus Cristo chamaria de ‘se irmanar’ com toda a humanidade, independente de seus credos, orientações sexuis, cores, classes sociais. Mas acho que isso é idealismo ou aquela coisa que ainda não tem nome!

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

OS DOIS MUNDOS DE PERSERFÓNE!



Numa triste madrugada de 19 de setembro de 2013.

Quando a tristeza é um pequeno ponto de tinta vermelha que aporta num enorme balde de água límpida e, aos poucos, se espalha, contamina e se instala na imensidão translúcida, plantando um marrom sujo de terra, a gente não pode mais ir ao mundo para passear, sorrir ou dançar. Resta-nos encontrar um canto para nos encolher a espera da transposição das águas ou da mudança das estações. A chuva abundante apaga toda possibilidade de sol.
É que ela – a tristeza – vem sempre acompanhada. Desta vez, trouxe a morte para me fazer visitas e lembrar que cedo ou tarde, para quem já viveu muitas travessias marítimas ou para quem ainda tinha o seio carregado de leite, o fim da vida é certo, nos surpreende, nos tira do jogo. Quando? Não sabemos. O porquê? Muito menos. Acontece. Todos os dias e horas e minutos. Nós é que fingimos não ver...
E, a maior verdade, é que a certeza da morte a mim assusta. Como dizia Millôr Fernandes, assusta não só pela morte em si, mas, sobretudo pelo o que ela nos tira. E ela não só debita em nossa conta o desaparecimento de quem morre. Ela deflagra para nós a certeza da sempre proximidade de extinção da nossa própria vida. A morte nos tira a nossa ilusória paz. Lembra-nos da nossa própria perecividade. Puxa nossa orelha e grita: a vida é boa, mas finita. Acorda-nos para a única e maior certeza: nós e os nossos, um dia, iremos... Seguiremos sós, como sempre estivemos!
Olho o balde de água marrom novamente e nele encontro refletida uma fresta de janela. Onde neste instante só chovia, sem em mim nada lavar, agora aparece um sol timidamente radiante. É o mesmo sol que eu insistia em desenhar e aquela chuva renitente fazia desaparecer. Ele agora queima minhas orelhas. Não o vejo com nitidez, apenas o sinto. Temo novas chuvas. Em mim, há marcas que denunciam: o frio não foi nem nunca irá embora de todo. Ainda que enfraquecido, retornará.
Porque somos todos Persérfones que, escolhemos invernar a vida, por alguns meses, cortando cordões umbilicais, afastando-nos do seio materno, legando aos homens o frio, a neve, o vento e a chuva. Para só no depois, retornarmos, irradiando sóis, flores e frutas mundo a fora. Somo aqueles que - por força da sina - temos que conciliar nossa existência entre o que está embaixo da terra e o que está sob ela. Não é fácil habitar dois mundos tão díspares: o do fim e o do eterno começo. Nem parece possível, mas eis a sina de todo o humano!
Por hora, há prenúncios de primaveras tardias. O inverno que extingue a vida também quer descansar e dar tréguas. É hora de Persérfone, ainda que provisoriamente, deixar Hades e retornar ao encontro de sua mãe, Deméter. Encho-me de novas delicadezas e esperanças. Ao imperativo da morte, só nos resta celebrar com a vida que ainda nos persegue. Por enquanto – só por enquanto – está em nós! Para aos que já terminaram suas trajetórias pelas bandas de cá, presenteemos com saudades, desapegadas de tristeza. Para nós que por cá ainda estamos, bebamos das águas que sempre retornam ao seu curso abundante, conscientes de que a fonte, um dia, seca!

*In Memoriam para Oswaldo Moreno (já depois dos 80 anos) e Alessandra Pereira (ainda na casa dos 30 anos).



domingo, 21 de julho de 2013

AS MALUQUICES NOSSAS DE CADA DIA: Quem serão os redentores dos pobres? Ou (Um discur...

AS MALUQUICES NOSSAS DE CADA DIA: Quem serão os redentores dos pobres? Ou (Um discur...: Ouço uma frase das elites econômicas brasileiras que muito me incomoda. Aliás, na verdade, são as práticas sociais deste grupo que m...

Quem serão os redentores dos pobres? Ou (Um discurso caótico sobre um emaranhado de coisas que leva a uma só declaração) OU IDEIAS SEM RUMO




Ouço uma frase das elites econômicas brasileiras que muito me incomoda. Aliás, na verdade, são as práticas sociais deste grupo que me incomodam. Mas retornando a frase, diz este grupo que, como os pobres brasileiros, por falta de educação e, consequentemente, de informação, não ministrarão mudanças significativas no país, são eles - os ricos que deverão insurgir e promover uma revolução para mudar suas próprias vidas e de brinde a dos pobres.
Todavia, muitas pessoas destes grupos são contra cotas, contra bolsa família, contra PEC das empregadas domésticas. Muitos gritam aos quatro cantos que as cotas são racismo aos avessos, a bolsa família acomoda os pobres e a PEC transforma as domésticas em insubmissas, insolentes, cheias de direitos, descumpridoras de seus deveres.
Trocando em miúdos mais uma vez (eu não resisto), quem tem grana se acha no poder de salvar os pobres. Mas eu questiono: e os pobres precisam mesmo de redentores? E a salvação dada de brinde contempla todos os anseios das classes populares? Lembro de Bob Marley e de sua Canção da Redenção em que o jamaicano rejeita qualquer opção que não seja a da liberdade e adverte: “ninguém além de você pode libertar-se da escravidão”. Para bom entendedor, o reggaeman nos provoca pensar na idéia de que a liberdade é algo que começa de uma consciência de nossa autonomia e capacidade de agir por conta própria, sendo capaz de lidar com as conseqüências – quaisquer que sejam elas - de nossos atos. Ou melhor, ninguém pode construir os melhores caminhos para trilharmos, porque só estando olhando a vida de dentro nossas histórias, vivências, experiências, podemos decidir tão importante trajetória.
Sei que vivemos num mundo onde se propaga que os pobres são sempre bons. Mas isso nem de longe significa uma elogio. Cheira a tutela. O ‘combo’ desta concepção é que além de bons são coitadinhos, sofredores, limitados, inferiores, incapazes de assumir os rumos de suas próprias vidas. Esta visão maniqueísta que associa pobre a bom e rico a mau me lembra aquele nefasto período da história humana em que tanto a pobreza quanto a riqueza eram consideradas dádivas de Deus, por isso deveriam ser aceitas (ou usufruídas) com resignação.
O que vejo hoje nas camadas populares brasileiras nada tem a ver com purismos ou inércia dos pobres. Nem há esse papo de ser bom ou ruim. O que quem tem olhos para ver pode ver se chegar num bairro pobre deste país é que as classes populares do Brasil, desde muito tempo, criam estratégias de sobrevivência que deixariam os grandes empreendedores mundiais de queixo caído. O problema óbvio é que tais ações tornam-se invisíveis. São ignoradas, quando não tratadas de maneira jocosa ou marginal.
Sempre afirmo que observo mais práticas sociais efetivas (visando mudança de consciência, ações que desemboquem em formação individual e coletiva) com jovens de bairros pobres da cidade onde moro do que em jovens de situação financeira mais confortável (nem os caracterizo como ricos). Quando converso com jovens pobres geralmente observo uma preocupação em atrelar suas demandas individuais às coletivas. Eles querem, por exemplo, fazer vestibular, mas também querem desenvolver ações para denunciar a violência no bairro. Já os jovens com situação financeira mais favorável preocupam-se muito mais com seu futuro profissional, bem sucedido do que com qualquer causa social. Óbvio que falo dos jovens (muitos) com que trabalho ou conheço e isto jamais pode sugerir uma generalização definitiva.
Inquieta com a danada da frase (os ricos salvarão os pobres) e o termo elite, perguntei a um amigo historiador se todas as revoluções na história da humanidade tinham sido provocadas pelos ricos. E ele disse que sim. E que não. O que me assustou, mas me presenteou com lufadas de utopia. Até porque sempre repito a etimologia desta palavra (u- negação/ inexistência e topos-lugar). A utopia é sim um lugar inexistente, todavia a História é feita de inexistências construídas. As rupturas e transformações provêm da construção de algo que nunca existiu em lugar algum. E não é para isso que existe a linguagem? Inventar mundos? Criamos o tempo inteiro o que não existe e depois disso o que construímos torna-se banal. Foi assim com desde o palito de dentes às aeronaves mais potentes...
Este meu amigo me provocou a discutir a concepção do termo elite e enunciou que nem sempre o termo se refere aos ricos, apesar desse ser o sentido mais comum historicamente. Então, ele explicou: “podemos falar em uma elite intelectual, em que seus integrantes não precisam ser ricos (vide Karl Marx). Grupos sociais têm elites, por exemplo, os Malês eram a elite entre os escravos baianos no século XIX porque sabiam ler e escrever, inclusive em árabe”.
Bem, é nesse ponto que me apego. Na polissemia da palavra elite. Penso, com os parcos conhecimentos de História que possuo em vários fatos. Como a relação da criação da Imprensa por Gutenberg e da ampliação do mercado livreiro na Europa, por exemplo, com a Revolução Francesa. Ampliar o número de leitores (algo que em tese nada teria a ver com política partidária) foi ponto fulcral para disseminar idéias revolucionárias de igualdade, liberdade e fraternidade. Desta forma, sustento meu argumento de que a luta se faz de muitas coisas, dentre elas de um conhecimento que gera experiência, ou melhor, um conhecimento que mobiliza e leva a transformação. Esse conhecimento não é necessariamente escolar, mas também pode sê-lo.
Assim, vou afirmar que creio que uma elite (intelectual, informada, munida de conhecimento) é quem na História tem mudado a História, com a permissão da redundância. Todavia, julgo um equívoco muito bem orquestrado reduzir o termo elite a somente quem tem dinheiro. Também não sou ingênua em pensar que uma elite que emerge das classes populares é sempre atenta aos seus anseios. Vale lembrar o exemplo da China, em que essa elite proletária, depois virou o poder burocrático do Estado... Tão supremo e tão escroto como o que eles mesmos destituíram.  Há um livro “As boas mulheres da China”, sobre a opressão vivida, sobretudo, pelas chinesas durante a Revolução Cultural. Nele, narram-se vários depoimentos reais de mulheres chinesas. Num deles, uma jovem comunista, atrelada ao partido, médica, recebe a missão da sua vida. Ela, coitada, acha que a causa é nobre, humanística, salvar vidas com seus conhecimentos médicos. Qual nada. A missão para a jovem chinesinha era casar com um general. Ela foi cumprir a inquestionável missão. Viveu humilhada, subjugada, violentada por este militar, para fazer a missão imposta pelo ideário comunista chinês. E isso não é literatura, não. Aconteceu mesmo. Serve como fragmento de que uma elite proletária pode não contemplar a diversidade de urgências que emergem dos indivíduos pertencentes ao próprio grupo.
Onde quero chegar? Quem me dera saber... Acho que anseio anunciar o perigo de estar no poder. Pois o ditado argentino tem se confirmado: “toma-se o poder com a esquerda e rege-se com a direita”. Parece que estar no poder é moldar-se numa forma pré-fabricada para a ideia que a sociedade tem em torno do poder! Sei lá. Mais popularmente, parece que as pessoas se transformam em outra coisa quando se sentem (ou se sentam) nos espaços de poder.
Aí, finalmente, retorno a frase que tanto me provocou: os pobres precisam de alguém que os redima. Penso numa outra elite que se diz adorar pobre. Os intelectuais. Só que estas elites são confirmadas pelos próprios intelectuais, acadêmicos, artistas, pensadores que, muitas vezes, desprezam o pobre, a margem e só enxergam o centro. Não importa de onde elas venham. Vêem as inúmeras produções culturais que emergem das periferias brasileiras, por exemplo, como inferiores, menores, pouco elaboradas...
No Brasil, parece que o desprezo pelas produções intelectuais e culturais dos pobres tem sido a regra. O Cânone literário brasileiro, por exemplo, sempre foi feito de homens, do sudeste, ricos e brancos, heterossexuais. Uma renomada pesquisadora brasiliense afirma que ela e seus colaboradores rastrearam o romance brasileiro contemporâneo. E, no final do século XX, o cânone contemporâneo brasileiro confirma o modelo do passado em que ainda os HOMENS, DO SUDESTE, BRANCOS E RICOS, HETEROSSEXUAIS são os autores da literatura brasileira colocada como canônica. Então pergunto: mulheres, pretos, gays, nordestinos, pobres não escreveram? Sempre. E muito! É óbvio. Suas obras são ruins, menores, inferiores? Não.  Apenas em seu tempo não tiveram qualquer visibilidade.
Sempre cito Luís Gama, poeta soteropolitano negro, filho de Luiza Mahin. Denunciou a escravidão de dentro, pois era filho de escrava liberta, envolvida, segundo o mesmo, em diversas insurreições de escravos. Frase célebre de sua autoria era a que indicava que o escravo que mata o seu senhor pratica um ato de legítima defesa.  Poucos o conhecem. Já Castro Alves (para mim, maravilhoso poeta brasileiro), viu a escravidão do alto – como um condor e este sim se tornou o poeta dos escravos. Nem de longe, intenciono comparar um com o outro, nem estabelecer um juízo de valor sobre ambos. Mas o fato de não terem lido Gama me inquieta por demais. Infiro que sua cor, sua atitude política seu verso rasgante sobre quem conhecia a escravidão de dentro, sua literatura que corta e denuncia, rasga e expõe uma chaga que é de todos nós, brasileiros. E as elites econômicas não querem isso. A idéia é assim: se é pra falar de escravidão, tudo bem, mas douremos a pílula.
Atualmente, fazendo um salto neste texto sem costura, trago outra questão que mal saiu do forno. As mudanças sociais ocorridas no mundo contemporâneo ocorreram por desejo ou compreensão de qualquer elite (seja ela intelectual, política ou financeira)? Ou porque alguns segmentos sociais, militando em movimentos, começaram a pressionar e, de certa forma, obrigar a mudança? Falo a partir dos coletivos de mulheres; negros; dos movimentos gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis; de periferia (vide HIP-HOP); de pessoas com necessidades especiais; de categorias trabalhistas, dos sem-terra; dos sem-teto? Sem pressão ou briga desses grupos, não teríamos certamente união estável entre casais do mesmo sexo, cotas para afro e índio descendentes nas universidades, obrigatoriedade de acessibilidade arquitetônica ou, indo mais atrás, ainda estaríamos, trabalhando 14 horas por dia para ganharmos um prato de comida.
Os movimentos sociais são uma selva inteira. Tem gente, sim de todo tipo. Tem os que estão lá por interesses pessoais. Outros querem inaugurar uma carreira política. Alguns querem gritar palavras de ordem com saudades de um passado revolucionário. Não importa. O que importa é que há um elo. Há uma causa comum, ainda que alguns – de dentro – a tratem com mais honestidade e clareza do que outros. Interessa é que por uma razão única, estes grupos se reúnem e tratam com pauta de todos os dias aquela questão única, colocando-a como urgência inquestionável. E assim – fato – mudam o mundo!
Desta forma, entre os pobres, há sim elites intelectuais. Há sim cada vez mais gente com acesso a informações. Mais do que isso, a gente bebendo a goladas litros daquele conhecimento que transforma. Não me refiro aqui ao conhecimento que vira resposta de prova vestibular. Refiro-me ao conhecimento que mobiliza, arrebata e que, geralmente, não se aprende na escola. Sempre existiram diversos coletivos, organizações que se instrumentalizam para fomentar e promover reflexões, debates em torno de diversas questões importantes para as demandas que emergem das classes populares.
Todas estas ações tem desembocado em frutíferas manifestações artísticas e culturais. Para além disto, tem colocado gente nas universidades, no mercado de trabalho, na política. Estas tem buscado trazer para o centro das demandas das populações brasileiras, as urgências das populações periféricas brasileiras. Na literatura brasileira, por exemplo, cada vez mais vemos e lemos caras da periferia que escrevem, ganham prêmios, tem editoras como FÉRREZ, MARCELINO FREIRE, SÉRGIO VAZ, SACOLINHA, DINHA, BUZZO, FÁBIO MANDINGA... Na periferia, prolifera-se uma produção musical que não é nem Pagode, nem Funk, necessariamente, mas também é. Sem falar de expressões das artes plásticas e da cena teatral.
O que vejo é muita gente da periferia se inserindo em ações culturais, lendo a cultura do mundo e do passado para continuar produzindo sua própria cultura. A diferença é que agora esta produção que sempre ocorreu vem acompanhada de uma necessidade de visibilização. E ninguém mais busca chegar lá para produzir. Constrói-se de dentro para dentro e para o mundo. Se é que me faço entender. Há editoras nas periferias. Há grandes eventos culturais na periferia. Há diversos espaços em que as pessoas, especialmente os jovens se reúnem para ler literatura, fazer rap, criar arte. E funciona. E é do gueto, mas não se limita ao gueto. É periférica, mas vai para o mundo. É do beco, mas amplia-se ao belo.
Bem, no fundo, eu sou mesmo uma esperançosa. Mas não sou otária, nem ingênua. Sei que tem muita coisa sendo feita. Sei que há muito a se fazer. O mundo mudou muito. E vai mudar sempre. Há muitas juventudes. E sempre houve. Mas eu revelo, como todo respeito a todas as culturas juvenis, da experiência, do lugar e do tempo de onde falo, para mim, a mais aguerrida e que me mostra que luta cotidianamente contra a violência, em prol da mudança – a própria e a do bairro – são as das periferias onde circulo, insiro-me e contribuo através do meu trabalho.
Meus radares estão acesos. Sei que há muito gente babaca, entre ricos e pobres; entre pretos, mestiços e brancos, entre gay e heteros, entre homens e mulheres, entre jovens, crianças e velhos. Não podemos legar isso somente aos que estão nos centros. Mas almejo realmente (sobretudo em mim) que se temos que silenciar alguma coisa que sejam as generalizações. Sugiro que a primeira besteira a ser deletada dos discursos (políticos e da mídia, sobretudo) seja a de que as classes populares precisam de heróis ou redentores. Espero que ninguém afirme mais que se há mobilizações nas ruas, elas são encabeçadas pelos jovens abastados. Até porque esta fala provém dos ricos que querem e precisam acreditar nisso. Nas periferias brasileiras, o que ouço hoje com alegria e esperança são vozes de autonomia e orgulho, que rejeitam tutelas e apadrinhamentos e que olhando para fora falam de dentro.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

AS MALUQUICES NOSSAS DE CADA DIA: PRÍNCIPE, AOS 70 ANOS!

AS MALUQUICES NOSSAS DE CADA DIA: PRÍNCIPE, AOS 70 ANOS!: Trabalho com Literatura Infantil e Juvenil e certamente por isso, fui convidada a emitir minha opinião sobre o livro ‘Pequeno Príncipe...

PRÍNCIPE, AOS 70 ANOS!



Trabalho com Literatura Infantil e Juvenil e certamente por isso, fui convidada a emitir minha opinião sobre o livro ‘Pequeno Príncipe’ para um jornal de grande circulação em Salvador. Ao fazer isto histórias vieram a minha memória rapidamente. A primeira é que esta leitura se fez para mim na adolescência e eu adorei tê-la lido. Depois, o livro virou de Miss e ficou sendo tratado como piegas, a ponto da pesquisadora Marisa Lajolo, em palestra, ter afirmado que ao ser vista num aeroporto com o livro em mãos, justificou-se para os colegas acadêmicos desconcertada. Um amigo presenteou uma namorada com a obra e ela se zangou com ele, afirmando que o presente significava que ele a achava infantil. Pode?
Quanta bobagem. Tudo preconceito. Ou talvez sejam os ódios academicistas a tudo o que vende bastante. O Pequeno Príncipe é um lindo texto. Ele é explicitamente dirigido às crianças, entretanto possui um amplo teor filosófico. O livro trata de questões existencialistas mesmo. Até porque as crianças – dada a sua forma de ver o mundo com olhos de primeira vez – são bastante afeitas a pensar sobre a vida, o universo e seus mistérios. Com uma linguagem acessível e que trata de um tema universal, o livro, desde sua publicação, caiu no gosto de um vasto público, incluindo as crianças, os adultos, as escolas e até as misses.
A narrativa, para mim, é uma história de formação e aprendizagem, pois o príncipe que vive solitário em seu planeta (acompanhado de uma flor para lá de exigente), sairá dele, visitará outros planetas e de cada lugar sairá impregnado por um conhecimento novo. Ao final, compreenderá que sua maior aprendizagem é o amor fraterno ou a amizade. Daí, nós leitores já embevecidos com a narrativa também aprendemos e repetimos a esmo a célebre frase central da história: “torna-se responsável por aquele que cativas”. A amizade é uma via de mão dupla, pois tanto vincula o outro a nós quanto vincula este nós ao outro.
Para muitos, psicólogos e educadores, este é o percurso de todo ser, ao sair de uma experiência infantil, centrada em si mesmo e acreditando que o universo que o cerca é o mais pleno e importante para ingressar num universo do amadurecimento que nos conduz a uma vida adulta em que cortamos os nossos cordões umbilicais para sair da realidade conhecida e passamos a adentrar contextos diversas dos nossos e com eles aprender. Neste percurso, nos lançamos infinitamente ao crescimento e a aprendizagem, mas sempre amarrados pelos laços-vínculos a tudo que nos cativou em nossa trajetória.
Ah, e o vigor deste texto é tão largo que ele se ressignificou ao longo do tempo, porque eu, por exemplo, que tenho 36 anos, o li na adolescência por indicação da minha mãe, assisti ao filme depois e hoje sou surpreendida com meus sobrinhos, vendo a desenhos animados a partir deste texto. Vejo suas frases em face book, nas papelarias há inúmeros cadernos e papéis de cartas com imagens e frases do livro. Assim, o que garante a importância da obra não é apenas a crítica literária, realizada academicamente, mas é, sobretudo, a sua leitura feita por leitores de todas as idades, em diversos tempos.
É difícil saber por que o livro conquista tantos leitores, extrapolando a alcunha de livro infanto-juvenil. Até porque se soubesse mesmo responder esta pergunta, correria para escrever um livro nestes moldes. Mas posso inferir que muitos livros, rotulados assim conseguem tal qual o Pequeno Príncipe, conquistar leitores de diversas idades, tempos e lugares, por tratarem de temas aparentemente infantis, mas que na verdade são temas universais, ligados a nossa existência e provocadores de questionamentos profundos. Outro ponto é que dada a diversidade de metáforas e imagens, presentes no livro, este suscita uma diversidade de interpretações, leituras e análise – o que faz com que o dialogo com a obra se torne praticamente inesgotável. Também considero encantador no livro o fato do texto desconfiar muitas vezes das certezas do mundo adulto, nos comovendo, sobretudo, porque trata do que é humano.
Não gosto quando dizem que o ‘Pequeno Príncipe’ é livro de miss. Nunca assisti a estes concursos, mas é óbvio que ouvi algumas pessoas, especialmente aquelas que se dizem entendidas em “alta literatura” referirem-se jocosamente ao Pequeno Príncipe assim. Na minha leitura, esta fala tem a clara intenção de desqualificar o texto. Eu acho uma bobagem. Certamente, as misses – educadas a vestirem o disfarce de boas moças de família – faziam referências sinceras a obras, por duas razões (ambas questionáveis para mim). Primeiro pelo texto ser considerado fácil de ler. Portanto, provavelmente por uma associação falaciosa de que a mulher bonita geralmente é intelectualmente incipiente, se faz este tipo de declaração. A segunda é que ler um texto que fale de amizade, numa perspectiva mais subjetiva e romântica do que realista, auxilia na configuração da miss com uma moça de bons princípios e adequada aos preceitos da família burguesa. Eu obviamente discordo dessa redução. Penso que uma obra que é a segunda mais publicada no mundo e é lida por leitores de idades, tempos e lugares diversos, não pode ser pensada somente por vieses tão reducionistas.
Assim, parafraseando Ítalo Calvino (1993), o ‘Pequeno Príncipe’ é um clássico, porque há sempre leitores o lendo ou relendo; porque quem o lê ou quem já o leu geralmente afirma ter aprendido muitas coisas e muito o amado; porque acabou fazendo parte do inconsciente coletivo; porque sempre se fazem novas descobertas ao relê-lo; porque “nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”; porque quando nós o lemos pela primeira vez está impregnado de leituras outras... E para mim, principalmente, porque 70 anos depois de sua primeira publicação, ainda existe gente falando sobre ele e mais importante do que isso, LENDO-O!

domingo, 26 de maio de 2013

PARA BOM ENTENDEDOR...



(homenagem aos 30 anos da UNEB)
Despertador. Paralela, Engarrafamento. Rodoviária, Águia Branca, Voucher, Passagem, Última chamada, Corrida. Ufa! Ônibus, Olhares, Amigos, Colegas, Desafetos. Estrada, Livro. Estrada, Engarrafamento, ViaBahia. Feira de Santana, Rodoviária, Amigas, Colegas, Desafetos. Estrada Ipirá. Rodoviária, Xixi, Pressa, Buzina, Braguilha. Estrada, Abacaxis, Abacaxis, Abacaxis, Portal da Chapada. Rodoviária, Sr. Davi, Táxi, Carinho, Monte Castelo, Almoço. Campus, Xerox, Água, Rosto, Escova de Dente, Água. Aula, Alunas, Decepção, Aula, Alunos, Explosão. Residência dos Professores, Mesa de Jantar, Cuscuz amarelo, Conversa, Assuntos, Trabalho, Noite. Manhã, Feira, Carne, Legumes, Roupa, Grito: “Mulher que não se ajeita, o marido rejeita”. Extensão, Rodapalavra, MST. Reunião (interminável), Colegiado, Departamento, Conselho. TCC, Semana de Letras, História e Pedagogia, “Entardecer no Campus XIII”. Reconhecimento? De curso. Brigas, Desavença, Política. Aula, aluno, Encantamento. Aula, Aluno, Surpresa. Seminário, Encontro, Congresso, Pesquisa.  Cabeça (cheia, fervilhando)... Exaustão, Fim do expediente, Praça JJ Seabra, Cerveja, Pizzaria (Pierina ou Maravilha), Amigos, Sorrisos, Causos, Gargalhadas. Mala, Táxi, Sr. Davi, Rodoviária, Madrugada, Coluna. Feira de Santana. Amanhecer, Salvador. Casa, Cheiros, Cama, Amor! Leituras, Estudos, Pesquisa, Avaliação, Planejamento. Itinerância! Amor! Ida, Volta, Rua sem saída... Respiração... Ansiedade... Beijo... Despertador. Paralela, Engarrafamento. Rodoviária, Águia Branca, Voucher... SEMPRE NUNCA O MESMO MAIS UMA VEZ!