Um
livro esquecido num banco de praça. A que isso pode nos remeter? Eu, como boa
geminiana, coloco-me numa encruzilhada. De um lado, penso no descaso. Invento a
cena de uma mulher que esperava do namorado flores ou anéis de brilhante, mas
foi presenteada com um livro. E pior sem dedicatória. E muito pior, não era um
romance. Era um livro técnico. Talvez até um livro de receitas culinárias. Ela
o recebe, enfezada e fica em silêncio durante todo o encontro. Na despedida,
nem o espera desaparecer na esquina. Deixa o livro no banco, até porque não
gosta de ler. Mas sabe que se jogar no lixo será repreendida por algum
passante.
Na
contramão desta história, invento outra. O livro não praça não foi esquecido nem
descartado. Algum leitor apaixonado já o leu e de tão embevecido acha injusto
que só ele possa usufruir tanto encantamento. Tal leitor não é só um amante dos
livros; ele é também um altruísta. Por isso, anseia partilhar o que tem de
melhor com algum desconhecido. Deixou o livro no banco, mas está escondido
atrás de uma árvore, à espera do novo leitor que será agraciado com tanta
beleza. Uma mulher (elas sempre foram importantes na História da leitura),
passando pela praça, vê o livro, o pega, folheia-o e começa a lê-lo ali mesmo,
sem ver o tempo passar!
Estas
cenas inventadas são somadas a outra que assisti num desenho animado. Nele, uma
personagem estava doente. Por isso, deveria ficar em casa, repousando. Um amigo
a presenteia com um livro para ela se distrair, mas a pequena se revolta e diz
que não gosta de ler. Depois, quando se encontra solitária no quarto de
hospital, o enfado a leva a abrir o livro e, ao ler suas primeiras páginas,
começa a se apaixonar. Todavia, tal leitora ao se entregar ao encantamento do
texto, cai em si e começa a se preocupar: “oh, não! Estou gostando de ler! Oh,
não! Vou virar uma intelectual”. Ela se desespera, porque associa leitura a
chatice. Certamente, imagina que os intelectuais são pessoas atrapalhadas, que
não sabem se integrar socialmente e vivem no mundo da leitura, esquecendo-se de
viver a vida! E talvez, ela esteja certa! Vide Dons Quixotes e Madames
Bovaries.
Entre
o descaso e a extrema valorização do ato de ler, fico a pensar em que lugar
nossa sociedade realmente está! Será que cada vez mais ler é considerado como
estar fora do mundo? Ou para viver este mundo, ler com competência e amplitude
é um imperativo? Fala-se que as pessoas, especialmente, as mais jovem, não
gostam de ler e por isso não leem. Entretanto, nunca ouvi falar tanto de novos
escritores, lançamentos de livros, festas e feiras literárias, projetos de
formação de leitores.
Assim,
influenciada pela frase atribuída a Aristóteles: “a virtude está no meio”,
começo a pensar que apesar do descaso existente, as pessoas leem, sim. Talvez
não se leia aquilo que socialmente é eleito como a leitura correta. Ou é
possível também que o objeto livro esteja perdendo espaço para outros suportes
textuais. Permanece, infelizmente, no imaginário das pessoas a ideia de que leitura,
especialmente a literária, é uma prática associada aos altamente letrados, aos
especializados e “intelectualóides” chatos. Daqui, eu apenas rogo que livros e
leitores brotem em bancos de praças, jardins, escolas, hospitais e onde mais os
convier! Livros a mão cheia, como dizia o poeta condoreiro, para fazer o povo
pensar.