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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

UM LIVRO ESQUECIDO NUM BANCO DE PRAÇA



Um livro esquecido num banco de praça. A que isso pode nos remeter? Eu, como boa geminiana, coloco-me numa encruzilhada. De um lado, penso no descaso. Invento a cena de uma mulher que esperava do namorado flores ou anéis de brilhante, mas foi presenteada com um livro. E pior sem dedicatória. E muito pior, não era um romance. Era um livro técnico. Talvez até um livro de receitas culinárias. Ela o recebe, enfezada e fica em silêncio durante todo o encontro. Na despedida, nem o espera desaparecer na esquina. Deixa o livro no banco, até porque não gosta de ler. Mas sabe que se jogar no lixo será repreendida por algum passante.
Na contramão desta história, invento outra. O livro não praça não foi esquecido nem descartado. Algum leitor apaixonado já o leu e de tão embevecido acha injusto que só ele possa usufruir tanto encantamento. Tal leitor não é só um amante dos livros; ele é também um altruísta. Por isso, anseia partilhar o que tem de melhor com algum desconhecido. Deixou o livro no banco, mas está escondido atrás de uma árvore, à espera do novo leitor que será agraciado com tanta beleza. Uma mulher (elas sempre foram importantes na História da leitura), passando pela praça, vê o livro, o pega, folheia-o e começa a lê-lo ali mesmo, sem ver o tempo passar!
Estas cenas inventadas são somadas a outra que assisti num desenho animado. Nele, uma personagem estava doente. Por isso, deveria ficar em casa, repousando. Um amigo a presenteia com um livro para ela se distrair, mas a pequena se revolta e diz que não gosta de ler. Depois, quando se encontra solitária no quarto de hospital, o enfado a leva a abrir o livro e, ao ler suas primeiras páginas, começa a se apaixonar. Todavia, tal leitora ao se entregar ao encantamento do texto, cai em si e começa a se preocupar: “oh, não! Estou gostando de ler! Oh, não! Vou virar uma intelectual”. Ela se desespera, porque associa leitura a chatice. Certamente, imagina que os intelectuais são pessoas atrapalhadas, que não sabem se integrar socialmente e vivem no mundo da leitura, esquecendo-se de viver a vida! E talvez, ela esteja certa! Vide Dons Quixotes e Madames Bovaries.
Entre o descaso e a extrema valorização do ato de ler, fico a pensar em que lugar nossa sociedade realmente está! Será que cada vez mais ler é considerado como estar fora do mundo? Ou para viver este mundo, ler com competência e amplitude é um imperativo? Fala-se que as pessoas, especialmente, as mais jovem, não gostam de ler e por isso não leem. Entretanto, nunca ouvi falar tanto de novos escritores, lançamentos de livros, festas e feiras literárias, projetos de formação de leitores.
Assim, influenciada pela frase atribuída a Aristóteles: “a virtude está no meio”, começo a pensar que apesar do descaso existente, as pessoas leem, sim. Talvez não se leia aquilo que socialmente é eleito como a leitura correta. Ou é possível também que o objeto livro esteja perdendo espaço para outros suportes textuais. Permanece, infelizmente, no imaginário das pessoas a ideia de que leitura, especialmente a literária, é uma prática associada aos altamente letrados, aos especializados e “intelectualóides” chatos. Daqui, eu apenas rogo que livros e leitores brotem em bancos de praças, jardins, escolas, hospitais e onde mais os convier! Livros a mão cheia, como dizia o poeta condoreiro, para fazer o povo pensar.