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terça-feira, 17 de abril de 2012

FIQUEI PRA TITIA

(Para Carlinha Fugiwara, a minha princesa que recentemente entrou para este grupo!)

Não sei o que é ser mãe. Não sei se ainda não sei ou se nunca saberei... Mas sei que amor de tia é bonito, intenso, cuidadoso. Tem muito a ver com amizade, com fraternidade. A gente se permite a permitir o que na casa da mãe não pode. Ensinei a JP, na primeira vez que ele foi ao dentista, que ele só podia conversar com o dentista de boca bem aberta. Também já desenhei um monte de pinta nele com caneta para ele se parecer com uma onça. Isso mãe não faz. Na verdade, a mãe é quem limpa; a mãe é quem diz: "Menino, que doidice é essa. Por que está falando com a doutora de boca aberta. Quem te ensinou isso". E ele, com cara sapeca e boca escancarada: "FFFói dindaaaaaaaaaaaaa, mamãe!!!" Mãe assume perrengues. A gente é mãe de férias, sabe??? De sandália havaiana, na beira da praia, correndo atrás do menino como se menina ainda fosse.

Acho que também tem isso... A gente se faz criança de novo na companhia de nossos sobrinhos. Foi assim com o primeiro Rafa, com o segundo, com Juju, com os sobrinhos de Paulo. E é assim com JP e Mariana. Portanto, conselho de tia experiente: "se joga mulher". Faça de um tudo. E pra saber o que é esse tudo é fácil. Lembre do que você gostava de fazer em sua infância, misture com tudo que os pais de agora proíbem e execute. É isso! A matemática é exata: chateação para os pais, somada a felicidade de tia e sobrinhos, cujo resultado é memórias para uma vida inteirinha de histórias saudáveis.

Ah! Nada de dar apelidos óbvios aos sobrinhos. JP não é Joca, Mariana não é Mari. Isso é muito vulgar para uma tia especial. Invente os nomes. E não pode repetir o mesmo. Tem que mudar sempre. Tenho vários cuja etimologia deve ser africana: bulunga, berebo, lelela, biribu. E por ai, vai. Prepare-se, porque se a criança demorar de dizer seu próprio nome vão te acusar de confundi-la com tantos vocativos. Mas isso é lenda. A criança amplia o vocabulário e descobre uma ação da linguagem que só vai estudar lá no ensino médio: os neologismos. É isso, o bulundo da titia ou a lelela de dinda viram ases da arte de criar palavras. Podem até futuramente incluir um vocábulo no Aurélio ou Houais.

A gente, tia, ama demais, todavia na nossa bolsa não tem carteira do plano de saúde nem esparadrapo. Na nossa carteira, tem bombom, tinta colorida, massa de modelar e lápis cera. Ah, na nossa carteira também tem um dinheirinho. Mas este só pode ser gasto com coisas importantes como parques, cinemas, livros de dinossauros, Mac-lanhces com brinquedo e tudo o que contém diversão e sabor. Ah, e tem que ser bastante dinheiro, porque tudo que se vende com o nome infantil o preço dobra apesar de o tamanho diminuir. Vá entender a lógica do mercado e do consumo para crianças.

A gente também tenta incutir sem piedade nossas ideologias nas mentes inquietas de nossos sobrinhos. A gente acha na verdade que eles irão mudar o mundo, por isso já falamos sobre ecologia, etnia, sociologia, direitos humanos. Já falamos com eles assuntos sérios com a preservação da natureza, o respeito às pessoas, com suas inúmeras diferenças e orgulho de suas identidades. Por isso, nem se assuste quando JP disser que é um negro lindo ou se ele te mandar fechar a torneira, porque a água no mundo está acabando. Já doutrinei a criança e Mariana, antes mesmos de falar, já está entrando no clima.

Têm as maluquices de mãe também, as ansiedades. Quando João dorme aqui em casa, no meio da noite, coloco a mão nas ventas dele, para sentir o bafo quente e ver se ele está respirando. Essa aflição é bem materna, né? Essa insegurança a gente tem. Mas a leveza de tia é insuperável! E como a gente não está junto o tempo todo, tem uma admiração, uma falta de cansaço, uma (uma, não duas) paciência de Jó. Uma compreensão imensa. Um amor que não é nato; mas é construído a cada momento e vai se ampliando cada vez mais. Nem sei onde vai parar. Só sei que a gente olha aquele ser tão pequeno e parece que no dia seguinte a gente ama mais do que no dia anterior.

Lembro-me perfeitamente de um evento que marcou minha carreira de tia. A formatura (de alfabetização) de Rafael Sacramento. Foi muito engraçado, pois eu e Zau (na época, somente tia), nos emocionamos, choramos, ficamos com cara inchada. O pior é que quando olhávamos uma pra outra e caíamos na realidade (era só uma formatura de alfabetização e, por sinal, muito alegre, com balões coloridos e música de Xuxa), começávamos a gargalhar e compreender o ridículo do amor, já cantado por Pessoa. É que a gente começava, a saber, que estava acompanhando o crescimento de uma pessoa e vendo que um bichinho pequeno e indefeso a cada dia se constituía numa singularidade especial, inigualável. È assim com todo humano.

Na saída daquela festa, falei com Zau sobre a possibilidade de engravidar, porque mais do que ser mãe, naquele momento, eu queria era dar netos aos meus pais. Pode? Isaura disse que ela não queria parir ainda. E eu, como também achava que não era à hora, me assustei. Mas uma jogada do destino, uma mudança de anticoncepcional, um espermatozóide apressado e um óvulo receptivo mudaram todos os planos e veio João que não foi o primeiro a me fazer tia, mas foi aquele que me deu tempo e argumentos para entender a beleza deste papel.

Hoje, vejo novos bebês chegando ao mundo e fazendo nascer de seus nascimentos novas tias também. E eu aqui, do lado de cá, só fico olhando a abestalhada da vez, admirando-a, me vendo nela e sorrindo, brado: “chegou mais uma pra viver a aventura doce de amar sem ter que padecer em paraísos”.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

CONFIDÊNCIA IGUALZINHA AS OUTRAS

Há alguns anos, vivi no Loteamento Jardim Belo Horizonte
Mas, não! Não nasci naquelas bandas
Por isso, sou diáfana, mistura de amor e ironia,
Um mosaico de pensamentos, comportamentos.
Tal quais as tardes verdes, vermelhas e amarelas, de céu de azul intenso.
Sou ar, água e folha
Ar, água e folha por todos os cantos da casa e da cidade
Ar, água e folha impregnados na alma, na pele e nos olhos de ver o mundo
E esse intermédio entre o que na vida pode ser água de enchente e de banho.

Essa vontade de bailar sobre a vida e acreditar no impossível
Vem da casa da minha memória
De suas noites mornas de verão em que a família se reunia embaixo da mangueira
Desligava a televisão, para resolver todos os problemas do mundo e contar passados em Histórias de verdade e ficção!

E esse hábito de estar sempre junto com gentes daqui e dali
Pra comemorar, preparar ceias (natalinas ou da paixão); vem de lá
Da casa da minha memória...

De lá trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
Frutas tropicais em compotas, sucos e polpas para durar até a próxima estação
Móveis de ferro, coité, piscina que foi rio, casa de boneca que virou lavanderia
Animais de estimação: cachorro, periquito, preá, rolinha, cágado, carneiro
E este orgulho, esta voz na garganta, este brilho no olhar.
Sem qualquer tristeza, não sou o poeta.

Tive mangas, araçás, canas-de-açúcar, jamelões
Poucos cajus, bem verdade. Mas em nenhum lugar, mais belos e tão grandes
Hoje também sou funcionária pública
Num país onde a educação ainda é caos, promessa política e esperança.


A casa desapareceu. Desmaterializou-se...
Mas na memória ainda estão quentes as lembranças
Ainda consigo entrar lá, abrir a porta e sentir seus cheiros tão peculiares
Sequer havia fotografia...
Só há lembranças da Casa da Minha Memória.

MANIA DE EXPLICAÇÃO: vivi 20 anos de minha vida numa casa que há quatro anos foi completamente destruída. E dela que falo neste poema, inpirada (ou espelhada) nas Confidências do Itabirano Drummond.