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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

SOLAR EM TERRA CENTAURA

Sair de nossa casa. Do umbigo de nosso mundo. Tão caro, tão certo. Tão mediocremente limitante. Mediocremente limitante? Eu, dizendo isso? Não essa que veio. Já uma outra. Migrar sempre nos leva a outra possibilidade de viagem. Obriga-nos a dizer o que se diz sempre, porque não há outro jeito. Mais do que dizer. Obriga-nos a sentir e tirar a prova dos nove do já dito. Saímos para voltar e, mais que isso, encontrar aquele outro eu que jamais se expõe, jamais irrompe dentro do lugar costumeiro. Sair para, olhando o diverso, vermos a nós mesmos.

De onde eu venho, o diferente tem olho azul e pele branca. O eu crespo, volumoso e mestiçamente preto é ordinário, só mais um. Aqui agora eu sou a diferente, eu sou o que eles não são. Tão engraçado, tão assustador. Salta aos olhos, o olhar desse outro aqui igual (e lá diferente). Questionador, nunca indiferente, violento. O decote costumeiro (vulgar só neste sentido), as cores abundantes, o cabelo inchado de caracóis parece um estigma do meu lugar. Pior, uma insígnia. Contrapõe-se ao cinza-preto-branco das combinações de calça jeans. E por mais que queira mostrá-lo espontaneamente, surge como bandeira hasteada. A forma de andar, a bunda que insiste balançar malemolente, a boca que canta um refrão de um longe meu: “que estranho, hein, ôba!”. Tudo é denúncia. Tudo é tatuagem.

E olho para fora, encaro mesmo, e nem sei, ao certo, o que vejo. Vejo outras vozes de sotaques nasais, cheios de ãs demorados; vejo o que ouço; vejo o que pressinto. Não vejo o que toco, porque simplesmente não deixam. E é um segurar controlador de minhas próprias mãos... O Lá de onde venho é no pegar. O ‘Oi’ se bate no ombro, se puxa a mão, esfregando-a. O abraço demora longos segundos de apertameno e não há despedidas sem beijos estalados ou minimamente sinalizados a distância. Aqui mal os olhos se encontram. Eles teimam em baixar. E sorrisos há bem poucos, nunca largos, sempre esboços. Paira uma frieza orgulhosa. Mais suspeito: mais que rispidez; é medo.

Então, povoam perguntas bem diante do meu nariz. Será que no meu lá, distante do meu aqui agora, já estamos tão acostumados ao estrangeiro que sequer o olhamos? Só o destacamos e colocamos tapete vermelho quando para vender bugigangas nativas no Centro Histórico? Ou o acolhemos expansivamente a ponto de deixá-lo entrar na nossa casa, partilhar nossa conversa e roubar nossos tesouros? Será que aqui, ao olhar com estranheza o estrangeiro, querem nos ver, nos olhar, beber de nós? Nos comer (antropofagicamente ou não)? Querem ter-nos neles mesmos? Ou não. Ao nos olhar, querem nos abortar? Aniquilar o nós em suas européias Histórias? Colocar o muro sinalizador cujo ingresso só é possível com crachá e comprovante de dupla nacionalidade?

Não há respostas. Ainda. Ainda? Certeza única: nada é definitivo. Vejo-me num distante outro. E gosto desta que vejo. Rio dela... E com ela. Aprendo-a. Prendo-me a minha torre, sem autocrítica nem bairrismo, mas me largo e deixo a corda correr solta. Tão ousado saltar ao largo. Nem eu sabia que podia. Nem eu sabia dessa outra. Mas ei-la aqui numa terra de centauros. Solar como sempre. Mas sozinha (apesar de nunca estar). Tomando rédeas, encontrando lascas rochosas, cortantes e... Pasmem, plantando raios de sol.