Trabalho
com Literatura Infantil e Juvenil e certamente por isso, fui convidada a emitir
minha opinião sobre o livro ‘Pequeno Príncipe’ para um jornal de grande
circulação em Salvador. Ao fazer isto histórias vieram a minha memória rapidamente.
A primeira é que esta leitura se fez para mim na adolescência e eu adorei tê-la
lido. Depois, o livro virou de Miss e ficou sendo tratado como piegas, a ponto
da pesquisadora Marisa Lajolo, em palestra, ter afirmado que ao ser vista num
aeroporto com o livro em mãos, justificou-se para os colegas acadêmicos
desconcertada. Um amigo presenteou uma namorada com a obra e ela se zangou com
ele, afirmando que o presente significava que ele a achava infantil. Pode?
Quanta
bobagem. Tudo preconceito. Ou talvez sejam os ódios academicistas a tudo o que
vende bastante. O Pequeno Príncipe é um lindo texto. Ele é explicitamente
dirigido às crianças, entretanto possui um amplo teor filosófico. O livro trata
de questões existencialistas mesmo. Até porque as crianças – dada a sua forma
de ver o mundo com olhos de primeira vez – são bastante afeitas a pensar sobre
a vida, o universo e seus mistérios. Com uma linguagem acessível e que trata de
um tema universal, o livro, desde sua publicação, caiu no gosto de um vasto
público, incluindo as crianças, os adultos, as escolas e até as misses.
A
narrativa, para mim, é uma história de formação e aprendizagem, pois o príncipe
que vive solitário em seu planeta (acompanhado de uma flor para lá de
exigente), sairá dele, visitará outros planetas e de cada lugar sairá
impregnado por um conhecimento novo. Ao final, compreenderá que sua maior
aprendizagem é o amor fraterno ou a amizade. Daí, nós leitores já embevecidos
com a narrativa também aprendemos e repetimos a esmo a célebre frase central da
história: “torna-se responsável por aquele que cativas”. A amizade é uma via de
mão dupla, pois tanto vincula o outro a nós quanto vincula este nós ao outro.
Para
muitos, psicólogos e educadores, este é o percurso de todo ser, ao sair de uma
experiência infantil, centrada em si mesmo e acreditando que o universo que o
cerca é o mais pleno e importante para ingressar num universo do amadurecimento
que nos conduz a uma vida adulta em que cortamos os nossos cordões umbilicais
para sair da realidade conhecida e passamos a adentrar contextos diversas dos
nossos e com eles aprender. Neste percurso, nos lançamos infinitamente ao
crescimento e a aprendizagem, mas sempre amarrados pelos laços-vínculos a tudo
que nos cativou em nossa trajetória.
Ah, e
o vigor deste texto é tão largo que ele se ressignificou ao longo do tempo,
porque eu, por exemplo, que tenho 36 anos, o li na adolescência por indicação
da minha mãe, assisti ao filme depois e hoje sou surpreendida com meus
sobrinhos, vendo a desenhos animados a partir deste texto. Vejo suas frases em face
book, nas papelarias há inúmeros cadernos e papéis de cartas com imagens e
frases do livro. Assim, o que garante a importância da obra não é apenas a
crítica literária, realizada academicamente, mas é, sobretudo, a sua leitura
feita por leitores de todas as idades, em diversos tempos.
É
difícil saber por que o livro conquista tantos leitores, extrapolando a alcunha
de livro infanto-juvenil. Até porque se soubesse mesmo responder esta pergunta,
correria para escrever um livro nestes moldes. Mas posso inferir que muitos
livros, rotulados assim conseguem tal qual o Pequeno Príncipe, conquistar
leitores de diversas idades, tempos e lugares, por tratarem de temas
aparentemente infantis, mas que na verdade são temas universais, ligados a
nossa existência e provocadores de questionamentos profundos. Outro ponto é que
dada a diversidade de metáforas e imagens, presentes no livro, este suscita uma
diversidade de interpretações, leituras e análise – o que faz com que o dialogo
com a obra se torne praticamente inesgotável. Também considero encantador no
livro o fato do texto desconfiar muitas vezes das certezas do mundo adulto, nos
comovendo, sobretudo, porque trata do que é humano.
Não
gosto quando dizem que o ‘Pequeno Príncipe’ é livro de miss. Nunca assisti a estes
concursos, mas é óbvio que ouvi algumas pessoas, especialmente aquelas que se
dizem entendidas em “alta literatura” referirem-se jocosamente ao Pequeno
Príncipe assim. Na minha leitura, esta fala tem a clara intenção de
desqualificar o texto. Eu acho uma bobagem. Certamente, as misses – educadas a
vestirem o disfarce de boas moças de família – faziam referências sinceras a
obras, por duas razões (ambas questionáveis para mim). Primeiro pelo texto ser
considerado fácil de ler. Portanto, provavelmente por uma associação falaciosa
de que a mulher bonita geralmente é intelectualmente incipiente, se faz este
tipo de declaração. A segunda é que ler um texto que fale de amizade, numa
perspectiva mais subjetiva e romântica do que realista, auxilia na configuração
da miss com uma moça de bons princípios e adequada aos preceitos da família
burguesa. Eu obviamente discordo dessa redução. Penso que uma obra que é a
segunda mais publicada no mundo e é lida por leitores de idades, tempos e
lugares diversos, não pode ser pensada somente por vieses tão reducionistas.
Assim,
parafraseando Ítalo Calvino (1993), o ‘Pequeno Príncipe’ é um clássico, porque
há sempre leitores o lendo ou relendo; porque quem o lê ou quem já o leu
geralmente afirma ter aprendido muitas coisas e muito o amado; porque acabou
fazendo parte do inconsciente coletivo; porque sempre se fazem novas
descobertas ao relê-lo; porque “nunca terminou de dizer aquilo que tinha para
dizer”; porque quando nós o lemos pela primeira vez está impregnado de leituras
outras... E para mim, principalmente, porque 70 anos depois de sua primeira
publicação, ainda existe gente falando sobre ele e mais importante do que isso,
LENDO-O!
Fiquei sabendo deste blog ontem e observei que vivo num mundo pequeno mesmo assim ainda me perco.
ResponderExcluirConheci a Sa. Onilia que foi ou talvez seja se ainda viva se estiver, amiga de Sancy minha mãe. É dito por lendas e prosas que ela foi o grande amor de um aviador e escritor que ficou sumido por um bom tempo e nas suas biografias fica a lacuna de onde andou depois reapareceu sorridente e feliz com uma estoria ou historia, ai vai de quem ler. Bem o tal era Antoine de Saint-Exupéry e o local era o Sapinho na Baia de Camamu.
Beijos minha mana querida !!