Fico
pensando em quanto, desde muito tempo, sinto-me fora de lugar. Deslocada de
tudo. Sou tachada de chata, perguntadeira, questionadora e, mais modernamente,
problemática. Só porque, por alguma razão desconhecida até mesmo por mim, vou
sempre pelo caminho contrário. A maré em que me afundo é sempre a que vai
contra a corrente.
Meu
pai, coitado, foi certamente a minha primeira vítima. Esperava que eu viesse um
garoto para homenagear seu pai e fazer seu sobrenome ser levado a, pelo menos,
mais uma geração. Mas lá vim eu, com um vazio entre as pernas (e pior dentro da
alma). Certamente essa uma das maiores frustrações da vida dele. E não parou
por aí. Havia outras que o acompanhariam por toda a existência: minhas escolhas
todas (desde as amorosas até as religiosas) iriam seguir para sempre justamente
as trajetórias inversas àquelas defendidas por meu pai. Tudo isso muito duro e
difícil para nós dois! Mas um fato inegável. Um
tentando inconscientemente ferir o outro por aquilo que não veio...
Já
na escola, ingressei com um ano e meio, porque minha mãe já era da geração que
trabalhava intensamente, mas ainda levava o peso da culpa por não ser a mãe que
minha bisavó fora (até porque esse negócio de mulher trabalhar em minha família
já não é novidade desde a minha avó materna). Aí, para adentrar os portões
escolares era o caos porque eu fazia a maior confusão, chorava, corria atrás do
carro materno. Minha mãe conta que as professoras foram investigar a razão da
balburdia e tiveram de mudar toda sua metodologia. O motivo era um só: eu, ao
chegar à escola, queria contar tudo o que meu avô havia proporcionado de
aventura para mim no fim de semana e a escola não me dava espaço. Por isso,
botava a boca no mundo, desde muito cedo a reivindicar direitos que nem sei se
me cabiam. Minha mãe conta isso toda orgulhosa, dizendo que a escola passou
toda segunda-feira a começar sua rotina com uma rodinha de conversa em que as
crianças falavam.
Sei
lá se é verdade verdadeira. Mas o fato é que a inconformação está dentro de mim
desde sempre e também bem cedo aprendi - chorando, gritando ou falando - a
expressar essa inquietação e dúvida que tenho diante das coisas que vejo. Eu não
me orgulho disso. Primeiro porque incomoda muita gente, segundo, porque
fatalmente essa muita gente faz um esforço danado para me fazer ver as coisas
como elas acham que deveria ser. Parece inevitável. Acontece sempre. Vou a um
filme com amigos e todos gostam. Menos eu!
Tenho
alguns apelidos em minha família (uns publicáveis e outros não) para definir
meu lugar como a famosa do contra. Na minha casa, me consideram xiita em
relação às questões étnicas e de classe. Acham que sou radical, tenho
preconceito às avessas; gosto do que consideram as minorias, as defendo ferrenhamente
e marginalizo tudo que é designado por eles como centro. Já em outros espaços
me consideram burguesa, condescendente, conciliadora. Exigem de mim uma tomada
mais radical de posição. E lá vou eu, me sentindo ao longo da minha vida no nem
lá nem no cá.
E
exemplos abundam em minhas vivências. Sempre gostei de dançar. Na minha
infância, por total falta de opção, fiz ballet por alguns anos. Assim, apesar
de sempre gordinha e grandona, era a bailarina da casa. Nas aulas, a professora reclamava. Dizia que
eu não era nem delicada nem leve. Coisa que considero óbvia hoje em dia. O que
me forçava a me encaixar num modelo do qual eu não pertencia. Era como colocar
uma bola numa forma quadrada. Óbvio que não deu certo... O tempo passou, eu
cresci, passei a questionar os paradigmas e lá veio a dança afro entrar na
minha vida. Me encontrei completamente. Sou defensora apaixonada desta
modalidade ainda tão marginal da dança, entretanto, meu primeiro professor
dizia: “Querida, dança afro tem que ter força e você é muito leve e delicada.
Precisa colocar menos suavidade nestes movimentos”. E eu só respirava e ouvia,
até porque nunca consegui compreender como uma pessoa pode, ao mesmo tempo,
abarcar agressividade e leveza juntas num só corpo e num só espírito. Porém era
desse ‘avesso do avesso’ que me acusavam.
Se o assunto é religião, então, a coisa se
complica e muito. De uma família carola católica, desde sempre, na minha
adolescência ia à missa todos os sábados. E prestava atenção, tentava entender,
mas ficava super mal porque toda informação gerava uma pergunta, uma dúvida,
uma inquietação dentro de mim. Aí, comecei a observar outras religiões e
cheguei a conclusão nenhuma. Aliás, só optei por duas certezas: minha total
indisponibilidade de me dedicar a qualquer religião e a minha opção por crer em
Jesus Cristo. Nem uma vírgula a mais nem a menos. Apesar do total paradoxo
desta postura.
Hoje,
uma balzaquiana, prestes a deixar de sê-la, lá sigo eu muito culpada por
identificar em mim esse comportamento pra lá de adolescente da insatisfação e
da má vontade em aceitar os caminhos indicado por outros. Parece que a pirraça
irrestrita é um comportamento colado em mim. Sinto me culpada por já ‘burra
velha’ ainda discordar de tantas coisas, ainda questionar os mais velhos.
Sinto-me uma criança tardia que ainda sofre com mágoas tão passadas, tão
infantis. Anos de terapia devem ter servido para curar pouco. E a vergonha
aumenta quando me tranco para chorar de uma dor ínfima que nem é a dor da
mulher Frida traspassada por um bastão de ferro esterelizador, nem é a dor de
uma Cecília, amiga irmã da morte tão prematuramente.
E
eu nunca sei (e nem sei se um dia saberei) por onde irei. A probabilidade mais
acentuada, entretanto, é que eu continue a seguir por onde sempre segui. Insatisfeita,
reclamando, duvidando de todos os caminhos, e ouvindo as insistentes buzinas e
os gritos enraivecidos dos demais, sinalizando: “está na contramão, está na
contramão”.
Meu pai tem 2 dizeres que acho certíssimos , um é que emitir uma opinião e logo em seguida dizer " na minha opinião " (no melhor Thadeuzes) é burrice , pq quando a opinião é emitida só pode ser da pessoa que a proferiu , mesmo que tenha se apropriado de alguma opinião alheia . A outra é que nenhuma verdade é verdadeira , só é verdadeira para o olhar de quem acha que aquilo é verdade , portanto , ninguém tem certeza de nada . Vc dá um exemplo ótimo disso , que é ser leve pro Afro e pesada pro Balé , quem está certo? Ele , ao contrario de nossas mães cresceram em um ambiente que era permitido discutir e divergir das idéias não significa de forma nenhuma desamor. cresci ouvido os 2 discutirem por isso, ela querendo podar o direito dele discutir e ele reivindicando . Ninguém precisa estar incluída em algum padrão pra ser aceita e amada . Outra vez , o melhor exemplo esta em vc , mesmo com sua maluquice toda de cada dia , é super amada e querida em todo lugar que vc passa . Prova mais que cabal é seu "debatente " assíduo , que é meu pai . Se aquiete , "na minha opinião" kkk, vc não precisa mudar . Bjos
ResponderExcluirApesar de ter uma cara de quem concorda com tudo e todos, de quem cumpre todas as regras, de quem gosta de tudo, no fundo, no fundo, eu me sinto a mais reclamona e insatisfeita das criaturas. Talvez, a diferença entre nós esteja no fato de eu não exteriorizar tanto estas insatisfações e preferir guardá-las para os mais íntimos pensamentos. Mas isso não é um problema (um dia já foi). Descobri que o melhor é fazer o que se gosta, o que se sente, o que se quer... Dessa forma, ao contrário do que muita gente pensa, andar pela contra mão pode ser a melhor coisa do mundo: para mim, o melhor sabor de sorvete da Ribeira sempre foi (e será) o de brigadeiro, por mais que minha mãe insista que os de frutas (dezenas delas) são melhores; viajar sozinho é tão ou mais divertido do que acompanhado, afinal, não há nada melhor do que fazer o que se quer na hora em que se quer, decidir explorar aquele bairro nada turístico, voltar para casa caminhando; na falta de companhia, ir ao cinema sozinho também pode ser bom, pois prefiro ver o filme do que não vê-lo... A lista é grande para quem anda na contra mão, mas não menos prazerosa :)
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