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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

OS DOIS MUNDOS DE PERSERFÓNE!



Numa triste madrugada de 19 de setembro de 2013.

Quando a tristeza é um pequeno ponto de tinta vermelha que aporta num enorme balde de água límpida e, aos poucos, se espalha, contamina e se instala na imensidão translúcida, plantando um marrom sujo de terra, a gente não pode mais ir ao mundo para passear, sorrir ou dançar. Resta-nos encontrar um canto para nos encolher a espera da transposição das águas ou da mudança das estações. A chuva abundante apaga toda possibilidade de sol.
É que ela – a tristeza – vem sempre acompanhada. Desta vez, trouxe a morte para me fazer visitas e lembrar que cedo ou tarde, para quem já viveu muitas travessias marítimas ou para quem ainda tinha o seio carregado de leite, o fim da vida é certo, nos surpreende, nos tira do jogo. Quando? Não sabemos. O porquê? Muito menos. Acontece. Todos os dias e horas e minutos. Nós é que fingimos não ver...
E, a maior verdade, é que a certeza da morte a mim assusta. Como dizia Millôr Fernandes, assusta não só pela morte em si, mas, sobretudo pelo o que ela nos tira. E ela não só debita em nossa conta o desaparecimento de quem morre. Ela deflagra para nós a certeza da sempre proximidade de extinção da nossa própria vida. A morte nos tira a nossa ilusória paz. Lembra-nos da nossa própria perecividade. Puxa nossa orelha e grita: a vida é boa, mas finita. Acorda-nos para a única e maior certeza: nós e os nossos, um dia, iremos... Seguiremos sós, como sempre estivemos!
Olho o balde de água marrom novamente e nele encontro refletida uma fresta de janela. Onde neste instante só chovia, sem em mim nada lavar, agora aparece um sol timidamente radiante. É o mesmo sol que eu insistia em desenhar e aquela chuva renitente fazia desaparecer. Ele agora queima minhas orelhas. Não o vejo com nitidez, apenas o sinto. Temo novas chuvas. Em mim, há marcas que denunciam: o frio não foi nem nunca irá embora de todo. Ainda que enfraquecido, retornará.
Porque somos todos Persérfones que, escolhemos invernar a vida, por alguns meses, cortando cordões umbilicais, afastando-nos do seio materno, legando aos homens o frio, a neve, o vento e a chuva. Para só no depois, retornarmos, irradiando sóis, flores e frutas mundo a fora. Somo aqueles que - por força da sina - temos que conciliar nossa existência entre o que está embaixo da terra e o que está sob ela. Não é fácil habitar dois mundos tão díspares: o do fim e o do eterno começo. Nem parece possível, mas eis a sina de todo o humano!
Por hora, há prenúncios de primaveras tardias. O inverno que extingue a vida também quer descansar e dar tréguas. É hora de Persérfone, ainda que provisoriamente, deixar Hades e retornar ao encontro de sua mãe, Deméter. Encho-me de novas delicadezas e esperanças. Ao imperativo da morte, só nos resta celebrar com a vida que ainda nos persegue. Por enquanto – só por enquanto – está em nós! Para aos que já terminaram suas trajetórias pelas bandas de cá, presenteemos com saudades, desapegadas de tristeza. Para nós que por cá ainda estamos, bebamos das águas que sempre retornam ao seu curso abundante, conscientes de que a fonte, um dia, seca!

*In Memoriam para Oswaldo Moreno (já depois dos 80 anos) e Alessandra Pereira (ainda na casa dos 30 anos).



4 comentários:

  1. Belo texto. Mais uma vez de indico "Amor", com toda a sua dureza

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    1. Obrigada, minha jornalista preferida. É de autoria daquele autor q vc me indicou?

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  2. A nudez da palavra se ergue para singela homenagem sem apagar as lágrimas nas entrelinhas.
    Abraço, Lu.

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  3. Muito bonito, Lu. Faltam palavras pra dizer da emoção. Bj

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