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domingo, 31 de agosto de 2014

DEUS NOS LIVRE DE MORRER EM VIDA



Ontem, na cidade onde moro, um homem morto foi encontrado vivo. E isso não é um jogo de palavras. A família foi avisada pelo hospital da morte de seu ente querido. Em lágrimas, foram irmãos, esposa e filhos dar-lhe o último adeus. Antes, no entanto, providenciaram-lhe um sepultamento e um caixão. Como não dispunham de dinheiro em abundância, só compraram o essencial e uma coroa de flores. Tudo muito simples, mas digno para homenagear o pai de família e esposo, cumpridor de suas obrigações que o defunto sempre fora. O mais importante é que o atestado de óbito já havia sido emitido com presteza, coisa incomum por estas bandas.
Era preciso pegar o corpo no hospital, vesti-lo, vela-lo para, finalmente, enterrá-lo. E sorte a do morto que as coisas acontecem assim. Pois qual não é a surpresa do irmão mais velho ao encontrar o corpo já dentro do necrotério, muito bem ensacado, respirando?!? Sem pestanejar, por ímpeto ou fraternidade, abriu o zíper que lacrava o saco. O pseudomorto encontrava-se já com pés amarados e algodão no nariz, mas respirando da mesma maneira que os vivos fazem.
Se fosse eu, que me pelo de medo de defuntos e almas, teria corrido ofegante sem olhar para trás. Mas o irmão do morto chamou enfermeiros e médicos para comunicar-lhes do alto de sua ignorância que o morto encontrava-se vivo. Foi uma confusão dos diabos, até por que o ex-morto não: não falava e não andava, apenas respirava e movia os olhos. É óbvio que até quem assinou laudos e atestados não quis se responsabilizar pelo deslize fatal. Trataram de forma bem corporativa o assunto: ninguém viu nem ouviu coisa alguma e encaminharam o novo vivo para a UTI.
Não deve ser fácil morrer em plena vida. Eu que trabalho de lá para cá, nessas estradas baianas, muitas vezes, rodeada de desconhecidos, temo, que num acidente me coloquem num corredor insalubre do pior hospital público baiano a espera de um tratamento médico que nunca chegará. Já imaginei a cena. Tento me comunicar com os médicos e enfermeiros que passam apressadamente, mas todos me ignoram, porque minha voz é quase inaudível e os movimentos são impossíveis.
Mas pior do que uma cena de terror como a que descrevi, temo outras mortes. Até porque considero que a gente morre quando acredita que a nossa intervenção no mundo não tem valor algum. Ou quando a gente se torna do bloco do tanto faz. Nestes casos, ficamos na inércia, pautados no argumento de que é indiferente ir para esquerda ou direita; é desprezível se nos posicionamos ou nos calamos. Ausentamo-nos da vida e de todas as dores e delícias que ela envolve com todas as nossas funções vitais funcionando. Deus me livre de decretarem minha morte, eu ainda estando viva. Mais do que isso, Deus me livre, de eu mesma me anular em vida! Só quero ir embora quando a mulher com foice e capa preta exigir. E assim mesmo, irei contra vontade!

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