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segunda-feira, 11 de abril de 2011

A LITERATURA: UM FIO DE ARIADNE NO LABIRINTO DO ENSINO NESTE LIMIAR DE MILÊNIO?

Há um texto de Nely Novaes Colho, em que a autora nos questiona se a literatura seria o fio de Ariadne em seu uso nas práticas pedagógicas neste conturbado início de século XXI. Confesso ter sido futucada por esta questão. Por razões inúmeras: sou professora, amo ler literatura e sou um ser vivente destes tempos. Li e reli o texto de Coelho, li e reli o mito de Ariadne e viajei. Ou melhor respondi com um taxativo SIM!

A literatura pode, sem sombra de dúvidas, ser um fio de Ariadne nas práticas educacionais do século XXI. As razões são inúmeras. Não só pelo fio, mas por todo o tecido. Trocando em miúdos: para mim o fato da literatura ser o próprio fio de Ariadne, ou melhor, o condutor de um movimento de transformação, é um dos principais argumentos que fundamentam minha resposta afirmativa. Porém com base no mito, também outras relações são percebidas, para confirmar a possibilidade da leitura do texto literário na escola ser um espaço privilegiado de ressignificação do nosso tempo, quiçá da nossa existência.

Primeiro o mito nos conta sobre o herói Teseu. Um aventureiro! Um homem que quer desbravar, descobrir, solucionar, resolver um problema de seu tempo: a existência de um monstro terrível, chamado Minotauro que vivia encerrado num labirinto construído por Dédalo e a cada ano se alimentava de sete rapazes e sete moças, escolhidos mediante sorteio, como castigo por causa de contenda com o rei Minos. É neste momento que encontramos o primeiro aspecto, o ato da leitura literária em si consiste um desafio; implica um jogo em que a coragem é imperativa, pois muitos obstáculos se materializam neste processo seja para compreender as tramas em que o texto se desenrola, seja para descobrir os seus sentidos, seja para aceitar a possibilidade da existência daquela perspectiva. O texto literário exige de seus leitores a coragem de Teseu e o interesse do herói-leitor para solucionar problemas individuais ou coletivos, de um tempo ou de um lugar.

Outra convergência do mito com o ato de leitura literária é a própria Ariadne que além de corajosa e apaixonada; é uma estrategista nata. É ela quem, por amor, torna possível a vitória de Teseu, ao ter a idéia do fio e da espada. A leitura requer um movimento; exige intensidade, entrega; pede encarecidamente ao leitor certa devoção. A isto, chamamos de Paixão. Além disso, ler necessita de ações inteligentes e perspicazes que delinearão a maneira do leitor chegar a uma compreensão ampla do sentido construído pelo autor e presente no texto. Para ler é preciso construir estratégias; é preciso imaginar as diversas maneiras possíveis para matar Minotauros, colocá-las em prática e avaliar se seu resultado foi satisfatório ou não. Caso haja sucesso, é preciso seguir em frente, passar a outras leituras. Caso haja insucesso é preciso rever as estratégias e construir novas.

Quem disse que a leitura de literatura tem a ver com bons modos? A estratégia de Ariadne foi exitosa. O Minotauro foi morto por Teseu e assim dois problemas foram resolvidos: o da cidade e o de Ariadne. O da cidade porque o Minotauro já estava deixando a vida dos atenienses muito estressantes. Rapazes e moças já deviam estar depressivos, pensando se seriam as próximas refeições do monstro. O de Ariadne porque ela impõe ao herói uma troca: os louros da vitória por noites de amor calorosas. Mal sabia ela que o amor possui artimanhas e é dono de suas próprias vontades. O que importa é que Ariadne não era uma altruísta. Tudo que ela fez foi para satisfazer aos seus próprios desejos. Com a literatura também é assim, lemos a palavra e o mundo, porque desvendar estes mistérios é condição sine qua non para viver com plenitude.

Bem, depois de todos os esforços e do começo de um final feliz, sabemos que Teseu parte de Creta, levando consigo a bela moça para posteriormente abandoná-la na Ilha de Naxos, retornando sozinho a sua terra natal. E aqui, mais uma vez, entra a leitura literária. Sem dúvida, ratifico que ela é uma forma de ampliar mundos, desvendar mistérios, matar monstros, sobretudo aqueles que estão dentro de nós. Entretanto, pode também, ao solucionar um problema, inventar outros. Até maiores. E por incrível que pareça, eis um aspecto bastante positivo, porque a leitura de literatura nos tira de uma zona de conforto e nos impõe tomada de decisões. O labirinto é uma excelente metáfora para compreendermos que ler literatura nos tira do lugar da passividade. Ao nos mostrar um universo próximo, distante, conhecido, desconhecido, real, surreal ou irreal, ela nos coloca em ação. A literatura, assim como o labirinto do rei Minos, é repleta de corredores, curvas, caminhos e encruzilhadas, onde é possível se perder para se achar ou, até mesmo, para jamais encontrar saídas.

Para finalizar as minhas aproximações entre mito e leitura de literatura, trago o fio que Ariadne entrega a Teseu para ingressar no labirinto e conseguir retornar dele vitorioso. Este para mim é o principal argumento que fundamenta minha resposta. O fio é uma analogia para a própria literatura, porque ela possibilita ao indivíduo conhecer o desconhecido, aventurar-se em mundos distantes e perigosos. Ou mais vulgarmente, ao mesmo tempo, que nos tira dos nossos mundos tão cômodos e de trajetórias tão conhecidas, ela não nos faz nos perdermos a esmo. É certo que acaba nos levando a lugares confusos, nos impondo mistérios, nos obrigando a lidar com monstros reais ou imaginários e a vencê-los. Entretanto a mesma literatura que nos dá o labirinto, também nos dá o fio e este fio nos faz regressar destes mundos tão diferentes dos nossos, nos trazendo de volta a nossos lares. Todavia, não somos mais ingênuos, apesar de conseguirmos retornar a nossa vida anterior tão certa e tão nossa, ela já não é mais a mesma depois que trilhamos o labirinto e vencemos o Minotauro.

Ao finalizar minha extensa resposta, busquei a de Nelly Novaes Coelho e percebi que, apesar da resposta também afirmativa, a argumentação dela é bem diferente da minha. Entretanto, não se configura, no meu entender, uma divergência. Como vivemos num momento de caos, ou seja, momento que há uma potência transformadora e de comportamento imprevisível na nossa sociedade, precisamos construir uma nova ótica, sobretudo nos espaços educacionais. Para a autora, a literatura é uma complexo exercício de vida que se realiza com e na linguagem, por isso pode congregar os diversos componentes constituintes do currículo escolar, se colocando como eixo organizador de determinadas unidades de estudo e, consequentemente, da vida das sociedades contemporâneas. Nos dizeres de Coelho (2000), a literatura é “uma espécie de ‘fio de Ariadne’ que poderia indicar caminhos não para sairmos do labirinto, mas para conseguirmos transformá-lo em ‘vias comunicantes’ que a concepção de mundo atual exige”.

Coelho ratifica a famosa afirmação de Roland Barthes (1978), que se todas as disciplinas um dia desaparecessem dos currículos universitários, bastaria que ficasse a literatura, uma vez que ela contém todas as outras disciplinas. Ao sugerir um projeto multidisciplinar a partir das peças teatrais que compõem a obra de Gil Vicente, ela nos mostra como a literatura pode fomentar uma reflexão sobre o nosso tempo em comparação com um momento anterior da história, analisando a problemática-eixo: o novo como fusão da herança com a invenção. A história não se repete, mas também é possível observar momentos passados em que houve situações similares às vividas hoje para daí retiramos estratégias de compreender a vida presente e até mesmo de nos posicionarmos diante dos fatos. Também fica evidente a partir desta ação que diversas disciplinas como ciências sociais, matemática, geografia e história (e eu incluiria artes) possuem “motivos de sobra” para incluir a discussão da obra literária em suas práticas pedagógicas.

O fio de Ariadne belo, confuso, antagônico é a própria literatura e, certamente, uma metáfora da vida. Tomemo-lo nas mãos avidamente e trilhemos o labirinto!

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