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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Questões raciais: uma discussão sempre atual


Não há a menor dúvida que todos nós pertencemos sim a uma raça. Esta é a raça humana e nela cabem igualmente negros,indianos, mulçumanos e até, como diria o poeta-cantor, gregos e baianos. Entretanto a nossa língua, história, cultura, religião, arte e, bem lá no finalzinho, os nossos caracteres biológicos irão definir algo que chamamos de etnia. E é ai que o bicho pega, porque não me conforta definir uma etnia negra, por exemplo, já que a compreensão de mundo, de arte, de cultura dos negros da Liberdade- Salvador-Bahia é completamente diferente e, em alguns momentos até dispare, da cultura, língua, religião dos negros de Nova Iorque. Em português claro: o buraco é muito mais em baixo.

No Brasil, ai que a coisa se complica aos olhos de muitos. Para mim, na verdade aqui é que a coisa se explica... Aqui desde muito já temos uma compreensão que a História e a Ciência atualmente já decretaram como lei. Já sabíamos melhor e com mais clareza do que ninguém, a história de todos os povos existentes no mundo. Todas as regiões deste planeta foram criadas a partir do entrelaçamento de povos de origens étnicas diversas que por alguma razão climática, bélica, etc chegaram a um território onde outro grupo étnico já residia e para lá levaram suas religiões, língua, cultura, arte. Na convivência entre este e aquele grupo não ficou a arte, língua, cultura, religião e até mesmo os caracteres biológicos deste ou daquele povo.  Ficaram muitas coisas. Tudo junto e, ás vezes, misturado. Além do que tinha antes e do que chegou depois, ficou uma terceira coisa que sequer existia: a presença de alguns elementos de um grupo e de outros elementos de outros grupos, em alguns casos houve a mistura e a ressignificação destes constituintes da etnia dos primeiros povos. Foi assim com os alemães, os chineses e canadenses. Para nós, por exemplo, o português sempre representou o branco. Não é verdade??? No entanto, os turcos passaram quatrocentos anos na Península Ibérica, e eu duvido que não tenham trepado com as “purrrtuguesaxxx”.Onde estou querendo chegar??? É claro que a ordem aqui e em qualquer canto do mundo é a mestiçagem, fenômeno que eu prefiro chamar de hibridismo.

ENTRETANTO (leia este entretanto como letras garrafais), esta relação de convivência entre as diversas e diferentes etnias não se deu historicamente de maneira harmônica. Pelo contrário, ela sempre representou perda parcial de espaço, de língua, de cultura para os dois lados.Mesmo porque para a gente construir algo novo, a gente precisa anular, excluir, destruir algumas coisas do que era vigente antes. É óbvio que também fazemos o exercício de escolher, permanecer, incluir, remodelar algumas coisas do que era vigente antes. O que importa é que mesmo com o movimento de junção, escolha, inclusão e exclusão de elementos dos dois grupos étnicos: um grupo ficou como o conquistador/dominador e o outro como o conquistado/dominado. E esta parte da história todo mundo de algum modo (ou aos seus modos) conhece muito bem: escravidão, holocausto, guerra na Bósnia, bomba em Hiroshima e Nagasaki, Talibans no Afeganistão, Ku Klux Kan, grupo ETA na Espanha, diversos grupos de terroristas no Oriente Médio... Tudo isto por quê???? Simplesmente porque os conquistadores (Portugueses, Africanos, Alemães, Americanos etc) ignoram que no processo de conquista, não importa quem vença ou perca oficialmente, os dois grupos perdem e ganham sempre, ao mesmo tempo. Os conquistadores também são conquistados e os conquistados também conquistam. Entende o trocadilho?

No Brasil, apesar de tudo isso, a gente não pode negar que os conquistadores são representados por todos aqueles de origem européia e tez branca. Já os dominados são os negros, afrodescendentes, índios, indiodescendentes.  Por mais que um médico geneticista diga em 2009 que o genótipo do brasileiro branco é composto por pai branco e mãe mestiça e negra, ainda afirmamos exacerbadamente uma identidade branca. Temos somente orgulho de nossos sobrenomes europeus, vamos pesquisar no “Dicionário das famílias brasileiras”, o quanto somos franceses, ingleses, espanhóis, italianos... Desculpe-me, mas historicamente no Brasil, afirmam-se mais uma pureza branca, uma essência branca do que uma essência índia ou negra. A ordem aqui sempre foi o embranquecimento. É daí inclusive que vem o termo “denegrir”, ou melhor, declarar publicamente a cor negra de alguém, algo considerado vergonhoso e diminutivo na época após o fim da escravidão. Hoje o termo denegrir perdeu o sentido de “rebaixar o outro, chamando-o de negro”, mas permanece a idéia do rebaixamento e da inferiorização. Particularmente, acho que aqui não dá para declarar pureza ou essência (de um lado ou de outro), mais dá para não negar as descendências; dá para a gente aprender a se orgulhar e afirmar as nossas ancestralidades. Entende a enorme diferença????

Defendo que a gente estude, pesquise, conheça e reconheça a enorme e essencial contribuição de negros e índios na constituição de algo muito complicado de se explicar, chamada IDENTIDADE BRASILEIRA, sem jamais ignorar a contribuição européia. Penso o povo brasileiro como híbrido, entretanto, temos que conhecer, pensar o quanto negros e índios contribuíram para ser quem somos. Temos que pensar que parte significativa de nossas identidades é sim de matriz africana e nativa (índia) também. Ah, e claro não posso esquecer: de matriz européia.

Bem e como fazer com que todas as etnias que compõem a nossa identidade sejam valorizadas, ignorando hierarquias escrotas e excludentes??? Este é o nó... Qual a sua idéia? Antes de elencar as minhas idéias (que não são nem melhores nem piores do que as de qualquer um, são apenas as minhas), só quero falar da teoria  da curvatura da vara, proposta por Savianni para a educação. Conhece? Quando uma vara de bambu está voltada só para um lado por anos a fio, o que fazer para que ela fique no meio (e seja mais coerente e democrática)??? Deve-se esticar a vara para o lado oposto e focar as atenções neste lado oposto por um tempo (nem curto demais nem longo demais) para que no momento certo, a vara fique no meio certo. Eis a proposta em que creio. Sei que como há muita gente recalcada no mundo (sobretudo por questões étnicas), o perigo desta idéia é deixar a vara no lado oposto por um tempo além do suficiente. Isto é preocupante porque só muda o lugar das coisas: o opressor vira oprimido e o oprimido vira opressor. Mas, sinceramente, acho que é um risco que precisamos correr... Precisamos exacerbar o foco nas questões afro-brasileiras e indio-brasileiras; precisamos privilegiar tais discussões agora.

Para mim, a gente muda a desigualdade étnica dando visibilidade ao que qualitativamente é chamado de minoria. Sabemos que estas minorias são a maior parte da população em quantidade, apenas têm  (ou tinham)menor acesso ao poder e aos bens de consumo e culturais que quem tem poder pode ter acesso. Então inicialmente, estudemos. Façamos pesquisa nas Universidades sobre a História Oficial e a História Documental. Então passemos estes dados para a Educação Básica e para o livro didático. Tiremos a idéia de que negro era passivo na escravidão, índio era preguiçoso, negro é feio, burro e subserviente através de inúmeros fatos históricos (como a Revolta dos Malês). Façamos políticas de inclusão de negros, índios e mulheres nas Universidades, no mercado de trabalho, assegurando não só o acesso nestes espaços, mas também a permanência. Ressignifiquemos a linguagem: façamos mais a reflexão do que proibição. Por exemplo, se dizer “meu nêgo” para você é uma forma carinhosa de se dirigir as pessoas, continue fazendo uso deste termo, mas se para você é somente uma forma de discriminar, de diferenciar o outro pela cor da pele dele, então mudemos a linguagem. Se você fala “nigrinha” para denotar que a mulher de pele preta é puta, ressignifique sua linguagem, mas se você diz isso como minha mãe o faz para chamar o outro de esperto e surpreendente, o faça. 

Somos seres de linguagem e temos que compreender como os usos dos termos servem para confirmar preconceitos ou para destruí-los. Não creio que sejamos100% negros, entretanto dizer isso em algum momento foi importante para que a galera que eu tanto amo (chamada aluno) compreendesse que sua pele, sua cultura, sua religião, sua arte era muito mais próxima da de Guiguiu do Ilê do que da de Gisele Bündchen e que daquela forma eles eram tão lindos e inteligentes quanto a Bündchen. Eu posso até nem ser negão, mas quando Gerônimo disse isso na música cheia de orgulho, um monte de gente pode dizer: “Olhe, velho, minha pele é preta, meu cabelo é crespo, pixaim, meu lábio é grosso, eu falo alto, como dendê, gosto de instrumentos percussivos, toco instrumentos de uma corda só, mas eu não sou ladrão, pobre e fudido. Também sei e posso tocar piano e dançar ballet. Sou tão inteligente, lindo e capaz quanto qualquer outra pessoa da minha raça que é a humana”.

Toda essa discussão foi  sempre para mim uma enorme formação.  Foi sofrido na adolescência estar num lugar em que embraquecer era a ordem. Ainda é sofrido para mim ver adolescente sofrendo porque a chapinha queimou e não sabe como vai a escola de cabeloi ncaracolado. Olhar o movimento negro e até participar de algumas ações suas, ser professora da escola pública, fazer um mestrado sobre Pluralidade Cultural foram situações ímpares para que eu me visse com mais propriedade. Me orgulhasse de mim, da minha história individual, familiar e coletiva. Sinto-me uma brasileira mais plena e completamente sem vergonha do meu cabelo, da minha boca, da minha bunda, dos meus gostos muisicais e aliementares, da minha forma de ver, entender, compreender o mundo.

Olha só, diminuiram as aparições de gente na rua, vestindo a blusa “100% negro”.  Lázaro Ramos tá na TV sem representar o papel de homem negro que sofre discriiminação. Espero que a vara esteja vindo paulatinamente para o seu lugar, o lugar do equilíbrio, da equidade, da democracia. Em algum momento, as coisas voltam para seu lugar!!!

Um comentário:

  1. Fófi, excelente suas considerações, inclusive o teor histórico e antropológico delas. Acho que vou roubar um fragmento de seu texto (sim, isso acontece qdo a gente se expõe em um blog, e dê graças a Deus que sou eu, seu compadre, que vai fazê-lo com um fim nobre... poderia ser algum filho da puta e usar pra te sacanear ou roubar tua idéia)para inserir em uma aula minha.
    PARABÉNS, O BLOG TÁ MASSA!!!

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